Entre discrepâncias e heresias

Desde tempos imemoriais, o conceito cristão de “heresia” reside no âmago da subjetividade. Para determinados grupos sectários da história, hereges ou pagãos eram os que não não comungavam de sua fé institucional. Para outros, as heresias eram crenças ou práticas expressamente diferentes do credo-cristão-histórico-comum de sua geração. E ainda havia alguns que destoavam destas duas abordagens, afirmando que ser herege era se distanciar categoricamente das verdades inalienáveis contidas no espírito do Novo Testamento. E é com estes últimos que compactuo a minha opinião.

A princípio, é necessário ressaltar que qualquer convicção teológica é uma mera interpretação do texto bíblico, sendo esta, portanto, passível de uma observação parcial, refém do tempo e do contexto em que está o intérprete. Neste sentido, é óbvia a conclusão de que haverá discrepâncias inevitáveis entre igrejas e indivíduos diferentes. Por outro lado, há de se assumir que existem confissões de caráter prioritário no Novo Testamento que, de tão evidentes e importantes para a fé cristã, não existe liberdade para interpretá-las, mas apenas para reafirmá-las.

Peter Meiderlin, um teólogo luterano da Alemanha, registrou em um livrete a seguinte máxima: No essencial, unidade; no não essencial, liberdade; e em ambas as coisas, a caridade”. Quando ele escreveu “No essencial, unidade...”, ele estava fazendo apologia exatamente ao fato que eu acabo de descrever, ou seja, quando algum grupo ou sujeito se afasta da crença nas afirmações essenciais do Novo Testamento, pregando o estranho ou o oposto às mesmas, então, as heresias passam a se manifestar em uma multiplicidade de formas, consolidando um processo quase que inexorável.

Mas o que podemos considerar “essencial” nas páginas do NT? E este “essencial” não seria também uma consideração relativa? É razoável responder que não. É imprescindível crer em Deus Pai, Criador do Céu e da terra; em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos; foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

É fundamental crer no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. É vital praticar o batismo, ministrar a Santa Ceia, prestar Culto, ensinar a Palavra e ir ao encalço de novos discípulos. Estes são exemplos cruciais do que é indispensável à fé do cristianismo enquanto este for uma unidade. E é aceitável que, em casos não tão raros, algumas das práticas supracitadas não possam ser executadas devido a variáveis diversas, como moradia em países que estão em regime de ditadora, por exemplo.

Contudo, para discriminar a heresia e a opinião, é necessário saber se o Novo Testamento define estritamente algo ou se só disserta parcialmente a respeito deste, ou ainda se não se posiciona com relação ao mesmo. Somente no primeiro caso, é que poderemos acusar heresias frente às Escrituras. Porém, diante das outras hipóteses, apenas podemos discordar pacificamente, considerando o outro lado como um intérprete diferente do texto sagrado, mas não lhe atribuindo o pecado da apostasia. Adote este crivo em suas avaliações, a fim de ver que nem todos os acusados por você, são, de fato, culpados por Deus.  

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