Tome a sua cruz

Se, por um momento, olharmos para a história da fé judaico-cristã, nos depararemos, sem enormes esforços, com as vidas dos grandes pivôs do universo bíblico tatuadas com os mais terríveis sinais do sofrimento humano. Assim foi com a maior parte dos patriarcas, profetas, reis, juízes e sacerdotes da Antiga Aliança, não nos esquecendo, é óbvio, daqueles que se fizeram mártires, apóstolos ou não, nos primeiros séculos do Anno Domini.

A Igreja suou e sangrou demais por tanta perseguição no começo da era cristã. Tal era o tamanho da marcação, que os cristãos romanos foram acusados da autoria do incêndio de Roma em 64 A.D e até por desordens climáticas como as enchentes do rio Tibre e as secas do Nilo, sem evocar à memória, é claro, as atrocidades de que eram alvos por meio de boatos estratégicos, isto é, que adoravam um deus com cabeça de asno, que praticavam canibalismo, incesto etc. Tudo isto pode ser verificado, com maior afinco, no livro “Apologias”, que Justino escreveu para defender seus correligionários.

Até aqui, tudo bem. Mas pensemos: e, agora, no mundo moderno, onde as coisas melhoraram consideravelmente? Ou seja, que não há mais, como há milênios atrás, a gigantesca expressão de um terror bárbaro, perene e quase onipresente sobre os que professam a fé em Cristo? O que replicar à Jesus hoje quando ele nos convocar a tomar nossa cruz e o seguir? Sublinho esta questão porque o mundo contemporâneo venceu, pelo menos em quase toda a sua geografia, a tirania, a escravidão, a intolerância religiosa e tantas outras invirtudes afins.

Por efeito, com o advento hegemônico da legitimidade dos Direitos Humanos no planeta, atualmente só é possível encontrar resquícios de totalitarismo assumido e de nações sucateadas por governos primitivos, como, por exemplo, o Estado Islâmico e outras organizações conterrâneas, a Coreia do Norte e alguns países miseráveis do continente africano. Esta realidade nos faz concluir que se aquele chamado de Jesus foi universal e atemporal, outro significado daquela “cruz” deve imperar para nós, os crentes filhos da democracia.

De uma coisa sabemos sem espaço pra dúvidas: “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus, serão perseguidos” (2 Tm 3:12). Entretanto, a perseguição não está intrinsecamente condicionada ao âmbito físico ou fisiológico. Aliás, ela pode, até com mais poder e fugacidade, manifestar-se para alguém na rejeição perante grupos cujo ingresso é interessante, diante de piadas vexatórias que humilham, através de isolamentos por pessoas avessas a seus valores, por meio de rótulos provenientes de preconceitos diversos, dentre um conjunto de outras ocasiões opressoras, que desnutrem a autoestima e o bem-estar, abatendo a alma a ponto de deixá-la aos auspícios da depressão.

“Tomar a sua cruz e seguir a Cristo”, portanto, além de significar ser espancado, cuspido, torturado ou ceifado em nome dele, é também admitir ser virgem com muito orgulho quando a galera da turma perguntar; é dizer, com largo sorriso, que não está entre suas práticas trair sua companheira; é, com firmeza, repreender o hábito de seus colegas de colar na prova da faculdade; é rejeitar, e com cara feia, o cigarrinho de Maconha que seus vizinhos insistem em lhe oferecer; é se recusar a participar das rodinhas de pornô-sap nos intervalos do trabalho; é não ser complacente com todos os seus parentes que aderiram à modinha “SKY gato”. Faça tudo isto com seriedade e fé e depois me diga se você não estará se sentindo abandonado e, ao mesmo tempo, atacado pelos que te cercam.

Um adendo mais que vital: não há nada que recorrermos, portanto, ao legalismo evangélico para satisfazermos a condição de “sofrer por Cristo”. Os currais pentecostais deste Brasil, desde os mais clássicos aos mais extravagantes, sempre imaginaram, ainda que imperceptivelmente, que, na ausência de um “status quo” de perseguição direta e oficial à igreja, seria preciso se proibir de tudo um pouco, a fim de produzir negações sacrificiais a elementos que, por eles mesmos, foram elevados ao degrau de impuros, almejando com isto agradar a um Deus cujo apego a seus filhos se dá na medida em que estes se desapegam das coisas materiais e estéticas deste mundo e sofrem por isto.


Ademais, ainda parece-me que não somente a verdadeira fé em Jesus incomoda muita gente e provoca confrontos morais incontroláveis dentro das pessoas, como também a própria esperança de que o messias ainda virá e a crença no Deus de Israel, ou seja, a fé do Judaísmo Ortodoxo, é escândalo pros cidadãos desta Terra, haja vista que, só por crerem no que criam, seis milhões e seiscentos mil judeus foram vítimas do Holocausto nazista. Não deixemos de nos lembrar aqui dos missionários cristãos que ainda são perseguidos à moda antiga em nações cuja ditadura ainda é a forma de governo vigente. Sobretudo, importa saber que, quer seja no corpo ou na mente, como bem disse Victor Frankl, “se você tem um porquê, então poderá suportar todos os comos”.

O Brasil estupidificando o Brasil

Deliciando-me com “A República”, uma obra irrepreensível escrita por Platão, aprendi que o termo “arte” para a semântica grega consistia, o que seria para esta geração, numa vulgarização de seu sentido atual, posto que lá na Grécia eles estendiam sua definição a todos os ofícios possíveis à época. Assim, a medicina, a ginástica, a carpintaria, a navegação e tutti quanti eram artes em sua concepção mais digna.

E sejamos íntegros: quando uma cultura qualquer categoriza seus elementos artísticos como “dignos”, a referência imediata que um cérebro adulto deve fazer a respeito é com a capacidade que estes elementos têm de ser apreciados como belo, coerente, provocativo, impactante ou inovador (estes três últimos, de maneira positiva, é claro), virtudes estas que jamais estiveram presentes nos rebolados, encochadas e letras do funk brasileiro.

E não venha me contestar papagaiando que isto é questão de gosto. “Gosto”, meu amigo, é a manifestação da liberdade que a mente tem de preferir uma coisa em detrimento de outra. Você pode até gostar, como um cão adora lamber o próprio saco, de toda a expressão do funk, mas quando confundir isto com arte, estará se enveredando na mesma tolice que uma criança comete quando ao ver um saco de boxe, logo pensa que se trata de um bexiga gigante de mortadela.

Trago este assunto à baila por ter sido surpreendido – e não sei como isto ainda é possível – pelo teor progressista e desconstrutivista (parece até um paradoxo) que a prova do último ENADE, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, aplicado a alunos de curso superior, revelou-me em seu conteúdo. Como se já não fosse absurdo suficiente preencher até o talo uma prova oficial do MEC com ideologia de gênero e de raça e até com uma flexibilização no trato com pichações urbanas, a banca do INEP pediu, na cara dura, uma dissertação que concebesse o funk como patrimônio cultural deste país.

Foi instantâneo: tão logo vi aquela proposta de redação, recordei-me das palavras carinhosas do Olavo: “A mentalidade desta gente faria os porcos vomitarem se lhes fosse servida no coxo.” Com “gente”, o grande Olavo de Carvalho quis se referir àqueles sujeitos que, neste caso, ignorando o fato inconteste de que os funkeiros em atividade fazem apologia descarada ao sexo sem vínculo e sem proteção, às drogas (lícitas ou ilícitas) para todos os paladares e olfatos e à legitimação de crimes cuja a experiência da favela os torna inculpáveis, eles planejam elevar este estilo musical à qualidade etérea de produção educativa.

Ora, pra quê você pensa que se presta a arte senão para extrair da realidade ou da imaginação objetos abstratos, que somente sozinhos, podem ser eficazmente contemplados pela emoção e compreendidos pela razão, a fim de que estas duas esferas do cérebro sejam educadas para o seu progresso? Se você não consegue aprender nada com o Djavan, se um seriado de J. J. Abrams, um quadro de Da Vinci, uma estátua de Aleijadinho ou os movimentos de uma bailarina russa não te sacodem, não te arrepiam e não lhe ensinam nada sobre viver, ou você é uma cadáver que ainda respira ou, na melhor das hipóteses, é só um idiota sem precedentes na humanidade.

O funk é apenas mais umas das abrasileirações que alguns civis malandros desta nação perpetraram a partir da importação de itens de cultura estrangeira (geralmente a americana). Já imaginou se no além para onde o lendário James Brown partiu, fosse lhe apresentado o “funk ostentação” como a sucessão latina de seu trabalho em vida? Seria uma reação agonizante pra ele saber que suas músicas eletrizantes que levavam seus fãs ao delírio, transformaram-se, em um povo não tão distante, num meio depravado de seus jovens se entregarem às suas vis inclinações.

Mas não se preocupem. Eu fiz a minha parte. Redigi a dissertação com o mesmo respeito com o qual o Neymar se dirige aos seus adversários em campo: sem reverência, sem piedade, sem modéstia. Não me acanhei diante da vulnerabilidade daquela circunstância. Fiz uma efêmera comparação de algumas rimas do funk nacional com a complexidade apoteótica existente em um concerto qualquer da Orquestra Filarmônica de Moscou. Aí finalizei, respirei fundo, dei um sorriso de canto e pensei comigo: o examinador desta prova vai pirar! 

Os quatro homens

Acredito que, assim como o movimento abortista tenta regularmente desfazer a idiossincrasia universalmente aceita, embora raras vezes sistemática, de que a vida não surge espontaneamente no feto, mas que está substancialmente embutida nele mesmo enquanto embrião e até como célula (pois é isto que o espermatozoide é), grupos com o feminismo e o gayzismo, procuram sorrateiramente desfazer a concepção homogênea do que é ser homem para o mundo. Utilizando-se de vários expedientes, eles almejam apontar um suposto caráter relativo em elementos absolutos, que se ratificam pela consensualidade perene entre a própria humanidade. Visto isso, faz-se necessária uma breve demonstração que possa reposicionar os quatro conceitos do vocábulo "HOMEM" a fim de firmar sua significação histórico-filosófica.
 
O primeiro requisito para que um ser vivo emocional-racional-espiritual, isto é, o espírito do homo sapiens, possa ser alcunhado de "homem", é nascer humano, o que, como já é uma condição elementar, é inevitável para ele. Assim sendo, quando se afirma que "o homem é, por natureza, corrupto" ou que "em 1969, o homem pisou na lua" ou ainda que "o homem é a única espécie do reino animal que produz lixo e que se autodestrói", a referência é atribuída à humanidade, ou seja, ao par de gêneros masculinos e femininos, de modo que ambos preenchem esta definição de maneira indistinta.

Por outro lado, quando começamos a falar em "gênero", a conversa tende a se aprofundar mais, visto que, neste caso, o ato de diferenciar os gêneros e prosseguir investigando apenas os indivíduos do sexo masculino, é a mola propulsora para conceituar o "segundo homem". Ser homem nesta fase, portanto, é atender aos aspectos biológicos e fisiológicos definidos por um padrão cromossomal inegavelmente absoluto (XY) e universalmente perceptível através das características físicas do biotipo, da voz, da pelagem, da locomoção etc.

Depois destas duas definições, o ser humano do sexo masculino deverá passar por uma terceira qualificação. Esta etapa diz respeito ao ato deste indivíduo optar, ou em alguns casos "preferir involuntariamente", por se relacionar amorosa e sexualmente com indivíduos do mesmo sexo ou do oposto. Então, quando este sujeito (o ser humano do sexo masculino) se inclina para desejar relações com pessoas do sexo feminino, ele confirma a sua predisposição natural não alterada por distúrbios comportamentais ou patológicos, e torna-se, por excelência, um heterossexual. Este é o terceiro homem.

A quarta e última categoria de HOMEM consiste na posse e exteriorização da "macheza". Vou explicar. Não estou me atendo ao "machismo" enquanto forma rudimentar do ser humano do sexo masculino e de preferência heterossexual impor suas vontades às mulheres. Falo de ser macho como contrário de ser passivo, impotente, sem expediente, enfim, pusilânime. Refiro-me ao macho que protege, produz e procria, não ao valentão do lar, ao barrigudo de bigode no sofá, ao marido que de tanto desprazer, acaba estuprando, além da genitália, a vida e a liberdade de sua companheira.

Estes são os "quatro homens" cuja conceituação quadrifase preenche as lacunas da nomenclatura universal do termo "homem" segundo respectivamente as abordagens teológica (o homem enquanto ser humano), biológica (o homem enquanto portador do par de cromossomos "XY"), psicológica (o homem enquanto heterossexual) e, por fim, a comportamental (o homem enquanto "macho provedor"). Este conjunto de perspectivas clássicas se manifesta uniformemente nos quatro cantos do mundo, malgrado o feminismo e o gayzismo histerico-militante estejam esfarelando-o gradativamente, desmaculinizando a noção transcultural e transgeracional do que é, de fato, ser um homem completo.