ARGUMENTOS - O mundo é feito deles

Constatei, já há bastante tempo, que a capacidade de argumentar em favor daquilo que se pretende defender, é uma habilidade que não pode ser desenvolvida, pelo menos não nos limites mais extensos do seu alcance, pelo mero raciocínio lógico ou pela observação enxuta dos fatos. É inegavelmente necessário estudar a propedêutica da filosofia, de onde emana os instrumentos científicos de apreensão da verdade para todas as outras ciências e para a qual todas elas convergem de volta. Identifiquei, ainda, que muitos senhores tidos como "acadêmicos", "letrados", "educadores" e "cientistas sociais" Brasil afora, sabem bem rastaqueramente do que se trata uma oratória preenchida com uma retórica contundente ponto a ponto. 

O mundo é guiado pelos argumentos, isto é, pelo poder do convencimento. Assim sendo, torna-se consideravelmente relevante para o êxito pessoal que qualquer sujeito conheça razoavelmente a âncora introdutória da argumentação científica, catalogando, para tanto, as definições de lógica, sofisma, falácia, paradoxo etc., além de saber que "de um fato não se deduz um valor"; que "a parte não caracteriza, necessariamente, o todo (nem o inverso)"; que "o elemento deve ser observado integralmente para ser apresentado como real"; que "espaços-tempos diferentes podem produzir realidades divergentes"; que "probabilidade não é sinônimo de factualidade", dentre uma vastidão de outros princípios.

Quantas pessoas não imaginam que, por estarem inseridas em núcleos acadêmicos diversos ou em esferas de debates constantes, têm oratória fluente e retórica aplaudível! Veja: um professor mentecapto de uma matéria inicial de determinado curso, conclui que, porque todos têm ou podem ter opiniões discrepantes, a verdade é relativa e não absoluta. Puxa vida! Afirmando isto, o professorzinho em questão, que deveria ser o primeiro protagonista do nivelamento superior de seus alunos, não só está caindo na mais lúgubre das incoerências, permitindo que qualquer calouro constate que ele, na verdade, está propondo uma sentença absoluta, como também, mais contraditoriamente ainda, está autorizando a todos que discordem dela, pois a verdade, segundo ele, é relativa.

Este tipo de gente é capaz de ignorar a estrutura lógica própria do argumento que eles mesmos proferem. Você já deve ter se deparado com situações em que foi preciso evocar as palavras, ipsis literis, de uma regra, a fim de lembrar as pessoas de como as coisas devem ser feitas. Aí, então, surge sempre do meio da massa ouvinte uma voz dissonante que, com o tom de descobridor do átomo, estufa o peito e vomita: "mas toda regra tem exceção". Humm! Você coça a cabeça, conta até três e, para não ser grosso, reexplica a regra apontando para a moralidade de se fazer o que é certo. Na verdade, nem precisava. Se é regra que "toda regra tem exceção", então, esta própria regra tem exceção, logo, haverá regras paras as quais não haverá exceção.

É possível escutar outros absurdos como este em debates amadores sobre a existência de Deus. De um lado, um jovem idiota que se diz ateu por dedução lógica, mas que o é por ter tomado as dores das vítimas de guerras religiosas, da pedofilia na Igreja Católica e do enriquecimento ilícito de muitos pastores evangélicos (como se Deus tivesse matado, assediado e roubado o dinheiro do povo); do outro, um religioso legalista que nunca leu meia dúzia de livros por achar que a letra mata, além de, sobretudo, acreditar que fala as línguas dos anjos (no plural). Lá no clímax do debate, o cético de merda se vira para o crentelho e diz: "Mas se não há provas da existência de Deus, não é razoável crer nele" (Ora bolas, a ausência de evidência não pode ser jamais a evidência da ausência), ao que o pseudoapologeta responde: "não existem provas porque Deus quer testar a sua fé. Ele quer que você creia nele sem se utilizar da razão" (quer dizer, agora, que a ausência de evidência é a evidência?). Façam-me o favor!

Como você poder enxergar, compreender como a guarnição de suas crenças deve se comportar diante de ataques, desafios e indagações, é importantíssimo. Não porque você se encontrará futuramente em debates televisionados, podendo, a qualquer momento, passar pelo maior dos vexames de sua existência, mas porque a arte de argumentar é exercida no âmago de nossa rotina diária. Quando você vai ao açougue comprar cupim, quando discute com a mulher sobre o próximo filme a assistir, quando conversa com o gerente sobre as marcação das férias pra dezembro, quando seu filho insisti com você sobre o brinquedo da propaganda, em todas estas ocasiões, um bom arsenal de razões bem fundamentadas é imprescindível. Aprenda, portanto, o caminho da crítica textual coerente, da interpretação holística dos fatos e da avaliação profunda das ideias e você se sairá bem em qualquer segmento da vida.

Dando um jeito no "jeitinho"

É matéria-prima do labor de muitos letrados desta nação, a concepção do que é, de fato, o "jeitinho brasileiro". Na verdade, todos já ouviram falar do "jeitinho", seja aqui pelo viés acadêmico, lendo um bom livro como o "O que faz o brasil, Brasil?" de Roberto DaMatta, ou acolá, escutando diariamente, sem se dar conta, as inúmeras alcunhas carinhosas que o "jeitinho" recebeu com o tempo: "Fulano tem o CONTATO"; "Beltrano arrumou um PEIXE"; "Vou lhe passar a SENHA"; "Eu conheço o CANAL". E ainda: "Não tem nada a ver, o sistema é injusto mesmo!"; "Quem não é visto, não é lembrado!"; "Ah! se todo mundo faz, não sou eu quem vai mudar o mundo." Falo, portanto, não dá resiliência brasileira em resolver seus problemas com gambiarras e técnicas não convencionais, mas do sentido pejorativo do "jeitinho", aquele que faz de seus manuseadores sujeitos potencialmente corruptos.

É isto mesmo. Infelizmente, a apolitização e o óbito gradativo de conceitos relevantes para a consciência cidadã que permeou o Brasil no processo de formação de sua identidade política, permitiu que o senso ético elementar se prostituísse com a noção equivocadíssima de que o indivíduo só pode fazer ou deixar de realizar algo, se a lei lhe permitir ou lhe proibir. Esta acepção vingou e agora nutre o inconsciente coletivo brasileiro com comportamentos pra lá de antiéticos. E foi ao identificar este distúrbio histórico, que nossos governos passados concluíram que para inibir a sua perpetuação, eles precisariam criar uma legislação que agasalhasse todos os fatos sociais possíveis, a fim de não deixar nenhuma brecha. Acabaram apagando fogo com gasolina.

Veja: nossa Carta Magna possui 250 artigos e 84 emendas, enquanto a Constituição dos EUA possui 7 artigos e 27 emendas, mesmo tendo sido promulgada 101 anos antes da nossa. E por que esta discrepância? Ora, porque em países de origem anglo-saxônica, a cosmovisão jurídica é a Common Law, que, com o pressuposto da maturidade cidadã, conduz as sentenças mediante a jurisprudência, os usos e costumes, a razoabilidade cultural, enfim, a sensatez é mais preponderantemente relevante que a própria lei. Isto enaltece o senso de responsabilidade cívica, inclina os vastos padrões morais para a supremacia do direito público em detrimento do privado e desafia os indivíduos a se tornarem cada vez mais lúcidos diante dos complexos conceitos de "CERTO" e "ERRADO".

Já no nosso Brasil, a conversa é outra. O regime que adotamos é o Civil Law, que, como supracitado, procurar abranger todos os fatos sociais conhecidos e regulá-los mediante cláusulas e artigos expressamente absolutos. Acontece que, embora pareça mais eficiente, este sistema é o mais absurdo entre ambos, visto que, como não é possível lograr êxito na tarefa que ele mesmo propõe, o efeito de tentar legislar sobre tudo acaba tornando-se uma anuência para que as realidades ainda não abordadas fiquem a mercê da conveniência particular, o que, com o tempo, faz com que todos percebam uma falsa normalidade em manobrar pelas lacunas inevitáveis que o sistema produziu, adulterando, assim, os juízos razoáveis de valor que haveriam de se desenvolver se tão maldosa tentação não os tivesse tolhido.

Foi através deste conjunto de fatos que o "jeitinho" se ratificou oficialmente, embora não tenha permanecido restrito à esfera legal. Ele se expandiu para as vinhetas mais triviais do cotidiano, manifestando-se em todas as relações humanas, da boca de fumo ao interior da igreja, da barraca da esquina ao atendimento no banco, da fila pra merenda às vagas do estacionamento, do balcão da farmácia à declaração de impostos, enfim, o modo vil dos brasileiros acessarem seus desejos mais inacessíveis - legalmente, a curto prazo e a preço baixo - consiste em deflagrar a ordem, a verdade e a razão das coisas serem como são, ou seja, em ignorar o senso comum, porém, factual, de que "onde termina o seu direito, começa o meu."

 
As pessoas põem cones na ruas para guardarem vagas que não podem ser guardadas, compram antenas ilegítimas para roubarem sinal de TV a cabo (afinal de contas, passarinho solto tem dono?), realizam a tarefa celestial de doar sangue com o único objetivo de faltarem do trabalho, batizam e comercializam a gasolina e outros líquidos com fim último de "render mais", furtam vertiginosa e peremptoriamente as cargas de caminhões que tombam na pista, realizam processos seletivos para ocuparem vagas para as quais já tem pessoas determinadas que as ocuparão, driblam o pagamento de tributos com maquiagem empresarial e um pouquinho da "boa contabilidade", falavam e encerravam (não porque mudaram, mas porque as operadoras aprenderam o golpe) a ligação antes de 3 segundos para não gastarem o crédito disponível.

Mas como dar um jeito neste "jeitinho"? Nesta catástrofe cultural que nos envolveu por inteiro? Bem, os remédios para tal desastre são escassos e seus efeitos são transgeracionais. Todavia, tudo começa, progride e termina com a educação. Primeiro, é necessário mostrar à população que a corrupção que ela atribui exclusivamente aos políticos em vigor, reside nela mesma, de modo que não é o sistema político que corrompe os políticos, mas exatamente o contrário. Segundo, o ideal é fazê-la visualizar que, num macro-processo "Toma lá, Dá cá", todos, uma hora ou outra, saem perdendo com as indevidas vantagens auferidas pelos outros. Terceiro, é preciso fortalecer as instituições conservadoras da sociedade para que suas abordagens éticas sejam disseminadas entre a juventude. Quarto, terá que existir campanhas de comoção nacional para que, assim como "jogar lixo no chão" e "parar de fumar" tornaram-se práticas ultrapassadas, o "jeitinho" caminhe na mesma direção. Quinto, não há mágica platônica de mudanças estruturais. Cada um precisa erguer-se, endireitar a espinha e convencer-se: "eu não farei mais isto."

Igualdade não é sinônimo de justiça

Foram 358 anos de escravidão no Brasil, o que produziu condições sociais expressivamente desiguais para os afrodescendentes e raças afins. É como se um indivíduo branco e outro negro estivessem lado a lado para começar uma corrida em busca de seu bem-estar social e econômico, embora a vitória de um não implicasse no fracasso do outro. Então, por algum motivo que nunca se irá saber, o sujeito branco decidi amarrar as pernas do negro, a fim de que ele não parta em direção ao êxito pessoal. O branquelo começa a correr sozinho, aumentando e diminuindo os passos conforme sua capacidade. O afro continua preso na linha de partida por exatamente 358 anos, até que no final deste tempo, uma mulher, branca como leite, percebe a injustiça e o solta daquelas amarras. O negro, assim, começa sua jornada, mesmo tendo perdido seu companheiro branco de vista. Como soltá-lo não seria suficiente para que ele pudesse alcançar o branquelo, então, alguém tem a brilhante ideia de dar ao afrodescendente uma bicicleta (uma cota, um privilégio temporário, um benefício necessário, uma medida desigual), para que ele alcance o outro corredor em um médio espaço de tempo, jogando a bicicleta para o canto quando isto acontecer, a fim de se igualar com aquele que lhe amarrou e correr ao lado dele. Isto é ou deveria ser a política de cotas. Agora me diga: onde está o caráter socialista, antimeritocrático, militante de minoria ou progressista desta medida? Será que você não percebe que o argumento lúgubre de que "se todos são iguais perante a lei, não pode haver cotas", ignora o fato de que durante quase quatro séculos as pessoas não eram iguais perante a lei, e que esta realidade, inevitavelmente, condicionou os padrões socioeconômicos do presente?

Por que sou protestante? - vol. 2

Ser um cristão protestante consiste, sobre todas as coisas, em identificar equívocos inegavelmente absurdos e, dialogavelmente, fixar estacas públicas de discordâncias contra estas anomalias. Quando falamos em protestar, necessariamente, pressupõe-se a existência de uma fonte anterior que, na cosmovisão de quem protesta, produziu incoerências intoleráveis. Portanto, neste caso, o movimento protestante ao qual nos referimos, milita a favor de um conjunto de mudanças na idiossincrasia teológica da instituição cristã denominada Igreja Católica Apostólica Romana. Embora este movimento de inconformidade com os postulados católicos tenha o seu nascimento oficial no ano de 1517, ficando, a partir daí, conhecido como Reforma Protestante, já havia propostas semelhantes de reformulação que datam de períodos bem anteriores ao século XVI. Exemplos? Pedro Valdo, no século XII, rompeu definitivamente com a Igreja Católica, e passou a ensinar que todo fiel era depositário do Espírito Santo, e que cada um podia interpretar livremente as Escrituras, sem a necessidade desta igreja. Na mesma época, Pedro de Bruys, que era um padre instruído e bom orador, começou a ensinar contra o batismo infantil e que era preciso rebatizar os adultos; que só houve uma vez a transubstanciação do pão e do vinho, isto é, na Santa Ceia; que os mortos não se beneficiavam de nossas orações, esmolas e indulgências, e que as igrejas, imagens e cruzes não tinham valor salvífico. Outro caso mais antigo ainda, foi o do monge Ghothescalch, que, no século IX, dizia que Cristo não havia morrido por toda a humanidade (uma espécie medieval de Expiação Limitada calvinista). Enfim, a história está abarrotada de exemplos de indivíduos que discordaram das ideologias do catolicismo. Em síntese, a Reforma Protestante e o protestantismo contemporâneo tem o seu sustentáculo em três arrimos biblicamente consistentes e historicamente eficientes. A consciência deste tripé, de forma sistemática ou não, foi o fator que desencadeou no espírito dos reformadores o faraônico protesto que eles se dispuseram a pleitear. Assim sendo, estes três princípios resumem os motivos que, depois de me tornar cristão, levaram-me a optar coerentemente por ser um cristão protestante. Vejamos um por um:

A igreja não pode monopolizar o sagrado.

A IGREJA, enquanto conjunto não geográfico e atemporal de todos os crentes em Jesus Cristo como formulação de um corpo do qual Ele é o cabeça, pela necessidade do encontro e da comunhão perene, necessita se dividir em grupos geográfica e transitoriamente reconhecíveis. Chamamos estes grupos também de igreja. O grupo ou, melhor, a igreja, seja ela qual for ou qual nome tenha, em hipótese alguma, pode asseverar que o sagrado, isto é, a relação com Deus e o seu Reino, é de exclusivo e privado pertencimento do seu patrimônio. Isto é sectarismo, ou seja, é comportamento e opinião de seitas restauracionistas. A Igreja Católica, no Concílio Vaticano II, ratificou um axioma religioso que esteve presente em sua história desde sua concepção nas entranhas do imperador Constantino: "extra Ecclesiam nulla salus", que significa “fora da Igreja [Católica] não há salvação”. Isto tudo me faz lembrar um comentário atribuído a Cipriano: "Ninguém pode ter a Deus por pai, se não tem a Igreja [Católica] por mãe". A história, entretanto, demonstra claramente que, de fato, Deus tem muitos a quem nenhuma igreja tem, assim como as igrejas têm muitos a quem Deus não tem.

A igreja não pode desconsiderar a divergência.

É um macro-princípio da democracia uma afirmação popularmente atribuída a Voltaire, embora não seja localizada em nenhum de seus escritos: "Eu posso não concordar com nada do que você diz, mas lutarei até a morte a fim de que você tenha o direito de dizer". As igrejas cristãs devem se ancorar no mesmo fundamento, ou seja, a liberdade de expressão é o direito fio condutor que rege qualquer progresso de interpretação da realidade. Como as doutrinas, liturgias e práticas teológicas que as igrejas assumem como corretas são produtos da interpretação imperfeita da Bíblia por parte do homem, então, deve-se considerar qualquer leitura discrepante do texto bíblico como plausível de avaliação. O que a Igreja Católica fez durante toda a sua existência, foi oficializar os seus posicionamentos eclesiásticos e teológicos como inerrantes e inexoráveis, desconsiderando, censurando e, não poucas vezes, punindo opiniões divergentes. Veja o que teólogo católico Prof. Felipe Aquino escreveu em seu livro "Para Entender a Inquisição": "Nunca um papa revogou uma verdade de fé ensinada por um anterior, e nunca um dos 21 Concílios universais que a Igreja realizou, cancelou um ensinamento doutrinário de outro realizado antes. O Espírito Santo não se contradiz, e não deixa a Igreja errar no essencial da fé. A história confirma isso." (pag. 16). Será mesmo que a história confirma este suposto fato ou demonstra o inverso dele? O Papa Eugênio IV condenou Joana d’Arc a ser queimada como uma bruxa, e depois o Papa Benedito XV decretou que essa mesma mulher fosse canonizada (1920). No mesmo livro supracitado, há o relato de que "quando em 1231, o Papa Gregório IX oficializou o tribunal do Santo Ofício, proibiu o uso da tortura, como era tradição na Igreja. Mas, 20 a 30 anos mais tarde, o Papa Inocêncio IV julgou legítima a sua aplicação." (pag. 147). Onde está a infalibilidade papal nestas decisões? Se nem a própria Igreja que se considera inerrante e absoluta, desconsiderando, para tanto, pensamentos diferentes de suas crenças, consegue entrar em consenso dentro de si mesma, qual será a sua credibilidade opinativa?

A igreja não pode legislar sobre si mesma.

É fato que a igreja, enquanto manifestação visível da IGREJA-CORPO, necessita, inevitavelmente, da condução Daquele que se autoproclama como seu CABEÇA, seu órgão pensante e decisório, ou seja, o Senhor Jesus Cristo. Esta condução, embora possa se apresentar historicamente por meio de avivamentos, reformas, expansões, dentre outros eventos visivelmente espirituais, não pode ser dirigida através de invencionices da imaginação humana, que destoem do padrão bíblico de doutrinas, organização eclesiástica, liturgia do culto, práticas de proselitismo etc. Não cabe à igreja a liberdade criativa sobre sua própria essência, propósito e comportamento. Todo o direcionamento já está posto e estabelecido nas Sagradas Escrituras. É óbvio, no entanto, que há certas características inéditas que poderão surgir no espaço-tempo de alguma geração, que, sem nenhuma objeção bíblica, poderão ser introjetados na rotina da igreja a título de instrumentação e funcionalidade contextual, como novas tecnologias, arquiteturas diferenciadas, demandas iminentes de outros profissionais, técnicas inovadoras de evangelização e discipulado, sensatez para com horários, lugares e formatos de reuniões, dentre uma pluralidade de outras adaptações. Tudo isto, porém, consiste em formas razoavelmente comuns de qualquer instituição se posicionar em determinadas microssociedades ou nações inteiras. Contudo, o que o catolicismo romano sempre fez foi adicionar ao escopo eclesiástico, símbolos de fé, práticas litúrgicas e dogmas integralmente não bíblicos. Podemos mencionar o terço, o sinal da cruz, a confissão com o padre, a adoração [ou veneração] aos santos, a beatificação, a canonização, a intermediação mariana, a intercessão dos santos, a existência de um representante de Jesus na Terra (o Papa), a diferença entre pecados mortais e veniais, as rezas por repetições, as procissões, a infalibilidade papal, as promessas, as penitências e uma série inumerável de outras invenções.

Por que sou cristão? - Vol. 1

Em uma tríade de artigos intitulados respectivamente de "Por que sou cristão?", "Por que sou protestante?" e "Por que sou presbiteriano?", tentarei delinear os motivos mais preponderantes que me fazem possuir a fé que tenho na existência do Deus judaico-cristão, na necessidade da Reforma Protestante e na "acertividade" teológica da Igreja Presbiteriana do Brasil.

POIS BEM, SEM MAIS DELONGAS, VAMOS AO QUE SE ESPERA:

A princípio, é indispensável ratificar que eu creio que o motivo de eu ser cristão ancora-se em uma fé pessoal e intransferível concedida a mim via um condutor espiritual chamado Espírito Santo. Neste sentido, a fé me prova a existência da divindade judaico-cristã, porém, pelo fato da fé ser um tipo singular de evidência, ou seja, por ela provar somente para quem a detém, então, não posso tecer justificativas transcendentais para demonstrar a viabilidade racional da minha fé. Isto seria uma imbecilidade sem tamanho.

Visto isso, preciso identificar os fatores racionalmente plausíveis e os elementos cientificamente mensuráveis que estão anexos à centralidade espiritual da minha crença, a fim de que eu possa minimamente apresentar um conjunto de razões epistemologicamente confiáveis que ratifiquem a coerência de se acreditar naquilo em que acredito. Então, para fins de comprovação, guiarei este artigo por meio das repostas às duas perguntas objetivas seguintes:

POR QUE DEVO ACREDITAR QUE EXISTE UM CRIADOR CONSCIENTE E INTELIGENTE?


1 - Porque se um criador com estas características não existisse, o universo e a vida teriam que, inevitavelmente, ter surgido da obra explosiva e acidental do acaso, o que, paradoxalmente, não poderia produzir dois fatores que foram produzidos: construção de estruturas e organização da construção. Podemos exemplificar esta consideração na seguinte hipótese: a explosão de uma sala com páginas soltas e dispersas em todo o seu espaço não poderia jamais produzir a impressão de um livro qualquer e, nem muito menos, gerar a ordem exata de sua palavras como em um dicionário.

2 - O contrário desta impossibilidade chama-se design inteligente. É só olhar para a estrutura construída e observar cientificamente sua funcionalidade exata: o planeta Terra tem uma inclinação de 23,5 graus, o que é ideal para haver regulação do calor. Se a inclinação fosse aumentada pra 45 graus, os verões seriam quentes demais e os invernos frios demais. Se a inclinação fosse diminuída, pra 0 graus, o equador seria quente demais, e os polos - norte e sul - seriam frios demais; se o tempo de rotação deste planeta fosse diminuído em 01 décimo, os dias e as noites seriam 10 vezes mais longos, o que inviabilizaria progressivamente a manutenção da vida sob a luz solar e o frio da noite; a atmosfera terrestre tem uma espessura de 480km, o que é ideal para impedir que a chuva diária de meteoritos penetre em suas camadas superiores e chegue à nossa troposfera. Calcula-se que há cerca de 2 milhões de variáveis diretas e indiretas que permitem a existência da vida na Terra.

3 - Além de tudo isto, a existência de um criador está substancialmente de acordo com um postulado científico universalmente aceito. Se considerarmos a Lei da Biogênese de Pasteur, que diz que a vida só pode ser gerada a partir de outro organismo vivo, o conceito evolucionista de que a matéria inanimada e inorgânica produziu vida e seres vivos complexos é desmontada categoricamente, ao passo que a teoria criacionista de que um Deus vivo pariu todas as formas de vida existentes se encaixa perfeitamente nesta lei. Enquanto a Lei da Biogênese estiver em vigor científico, não há outra possibilidade para a causa da bioexistência.

4 - Por que se eu não acreditar que existe um criador consciente e inteligente, eu, inevitavelmente, só poderei acreditar que a razão da minha existência é o produto de uma casualidade, o que, consequentemente, deve me levar a concluir que a minha crença é um subproduto do acaso, o que, coerentemente, precisa me convencer de que não é razoavelmente inteligente acreditar que pensamentos desta natureza, isto é, subprodutos acidentais, possam ser verdadeiros no que tange ao primeiro acidente. Seria como esperar que a forma acidental tomada pelo leite esparramado pelo chão, quando você deixa cair a jarra, pudesse explicar como a jarra foi feita e porque ela caiu.

POR QUE PRECISO CRER QUE ESTE CRIADOR É, NECESSARIAMENTE, O DEUS JUDAICO-CRISTÃO REVELADO NA BÍBLIA?

1 - Se a Bíblia, de fato, revela a existência de um criador ou, melhor, se este criador, que se autoproclama como Deus, se revelou por meio da Bíblia, então, esta fonte autobiográfica, necessariamente, precisa apresentar em seu conteúdo dados fidedignos no que concerne à obra deste criador. Falo do universo e da natureza. Se houver uma única informação científica inverídica sequer na Bíblia, isto pode ser o suficiente para desacreditá-la por completo. Faço o desafio:

- O cálculo mais preciso a respeito do tamanho do Sol concluiu que o nosso "astro rei" tem 696.342 quilômetros de raio – com margem de erro de 65 km, ao passo que a Lua, nosso satélite natural, tem um diâmetro de aproximadamente 3.476 km. Portanto, o Sol é consideravelmente maior que a Lua. E é exatamente isto que a Bíblia afirma:

"Fez Deus os dois grande luzeiros: o MAIOR para governar o dia, e o MENOR para governar a noite; e fez também as estrelas." (Gênesis 1:16)

- Até 1687, quando Isaac Newton descobriu "a lei da gravitação universal" e provou que a terra flutua no universo, as pessoas não acreditavam neste fato com tanta veemência. O interessante é que esta descoberta já estava patenteada na Bíblia:

"Ele estende o norte sobre o vazio e faz pairar a terra sobre o nada."  (Jó 26:7)

- Até o final do século XIX, não se sabia, com certeza, se havia um núcleo denso no centro da Terra e, se havia, do que ele era formado. Então, em 1905, o Geofísico Andrij Mohorovicié (1857-1936) descobriu o manto por meio de ondas sísmicas; o Geofísico Beno Gutenberg (1889-1960) descobriu o núcleo externo na terra em 1930; e, finalmente, em 1936, a Geofísica Inge Lehmann (1888-1993) descobriu o núcleo interno da terra, formado por magma. Engraçado! A Bíblia já havia nos alertado sobre isto:

"Da terra procede o pão, mas embaixo é revolvida como por fogo." (Jó 28:5)

 - Antes mesmo do navegador Fernão de Magalhães comprovar a teoria de Nicolau Copérnico em paralelo com Galileu Galilei, que asseverava que a Terra é redonda, a Bíblia repetiu a veracidade deste fato por três vezes, embora alguns filósofos gregos tenham levantado hipóteses nesta mesma direção:


"Traçou um círculo à superfície das águas, até os confins da luz e das trevas." (Jó 26:10)

"Então, elas, segundo o rumo que ele dá, se espalham para uma e outra direção, para fazerem tudo o que lhes ordena sobre a redondeza da terra." (Jó 37:12)

"Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra, cujos moradores são como gafanhotos; é ele quem estende os céus como cortina e os desenrola como tenda para neles habitar" (Isaías 40:22)

- Parece muito estranho dizer que as fases da Lua influenciam no comportamento das marés, das ondas marítimas. No entanto, ao lado da Astronomia, a Bíblia aponta este mesmo fato:

"Assim diz o SENHOR, que dá o sol para a luz do dia e as leis fixas à lua e às estrelas para a luz da noite, que agita o mar e faz bramir as suas ondas; SENHOR dos Exércitos é o seu nome." (Jeremias 31:35)

Será razoável acreditar que todas estas asseverações foram produzidas a partir de uma observação primitiva ou que representam um conjunto de golpes de sorte perfeitamente certeiros? É óbvio que não. Este conjunto de informações só pode ser fruto de revelação por parte do criador, assim como só um relojoeiro pode apresentar os detalhes de seus relógios de forma tão "acertiva". E isto não é tudo. Portanto, convido você a ir além e continuar perscrutando a ciência contida na Bíblia a fim de experimentá-la mediante crivos científicos universalmente aceitos.

2 - Iniciado formalmente em 1990, O Projeto Genoma Humano foi coordenado por 13 anos pelo Departamento de Energia do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. O projeto originalmente foi planejado para ser completado em 15 anos, mas o desenvolvimento da tecnologia acelerou seu final para 2003. As principais metas do Projeto Genoma Humano foram: identificar todos os genes humanos; determinar a sequência dos cerca de 3,2 bilhões de pares de bases que compõem o genoma do Homo sapiens; armazenar a informação em bancos de dados. Você sabe qual foi a última e mais importante conclusão do PGH? Leia você mesmo:

“O verdadeiro Adão viveu na África, cientistas sustentam que toda a humanidade descende de um ancestral comum.”  
(Jornal O Globo, de 25 de dezembro de 2002, Coluna: Ciência e Vida)

Dispenso comentários.


3 - Considerando que o episódio da "Ressurreição de Jesus" é a centelha primordial que dá vazão à formulação do cristianismo, vou indicar aspectos historicamente relevantes em seu contexto, a fim de que a realidade deste evento seja exposta por meio de parâmetros lógicos. O que vou demonstrar, portanto, prova que, em hipótese alguma, houve um complô para arranjar e forjar a possível ressurreição de Cristo:

- Em primeiro lugar, o fato da narração do episódio da ressurreição se dá em quatro fontes diferentes (Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João), permitiu que houvesse pequenas discrepâncias entre uma fonte e outra, como a quantidade de mulheres e anjos presentes no episódio. Assim, se os discípulos quisessem montar uma história irreal de ressurreição, eles entrariam em acordo para jamais deixar que estas contradições existissem, ou seja, elas só existem porque, ao observar um fato qualquer, é natural que haja o fator "ponto de vista", que diferencia um testemunho do outro (Mateus 28:1-10; Marcos 16:1-8; Lucas 24:1-12; João 20:1-10).

- Além disto, os quatro evangelistas afirmam que as primeiras pessoas que testemunharam a Ressurreição de Jesus foram mulheres. Entretanto, até o primeiro século, as mulheres não tinham um depoimento válido perante um tribunal, isto é, não tinham qualquer credibilidade para serem testemunhas. Novamente, se os 11 discípulos desejassem produzir um falso acontecimento a fim de aliciar mais fiéis, eles nunca escreveriam que foram mulheres as testemunhas que presenciaram os primeiros momentos da ressurreição.

- Em terceiro lugar, que Jesus morreu crucificado, até os mais acirrados céticos e críticos da literatura bíblica são categóricos em concordar. Então, dizem estes teóricos, que os discípulos de Cristo, para apagarem a vergonha da cruz para o cristianismo, tentaram reverter o quadro, tecendo o episódio da ressurreição. Ora, isto seria uma estupidez dantesca, pois nenhuma nação ou cosmovisão religiosa daquele tempo, aceitava a ressurreição como uma possibilidade. Em vez disto, os discípulos, com certeza, escolheriam a metempsicose ou teoria da transmigração da alma, acolhendo os egípcios, gregos, romanos, pitagóricos etc, ou a imortalidade da alma, ganhando os platônicos, ou ainda mesmo a reencarnação, convencendo a civilização persa, dentre outras. A ressurreição era um doutrina rejeitada por todos os filósofos e teólogos de todas as culturas do primeiro século.

- Os médicos judeus eram recorrentes em acreditar que um corpo inconsciente, embora pudesse estar morto, poderia também estar em coma reversível até no máximo três dias. Se os discípulos de Jesus quisessem pleitear sua ressurreição de forma criminosa, eles não colocariam o intervalo entre a morte e a ressurreição de Jesus em um prazo compreendido de três dias, mas no mínimo de cinco dias.

4 - Jesus possui uma influência singular em todas as cosmovisões religiosas de grande porte posteriores a ele. Aparentemente, nenhuma religião depois do primeiro século conseguiu consolidar suas doutrinas sem se deixar levar pelas bandeiras ímpares que Jesus Cristo levantou. O Espiritismo de Allan Kardec tem Jesus em seu "Livro dos Espíritos"; O Livro de Mórmon conseguiu criar outro evangelho, porém, sem se desvincular da pessoa de Cristo; O Alcorão registra que Jesus foi o penúltimo profeta enviado por Deus ao mundo, ou seja, o último antes de Maomé. O budismo e o hinduísmo, por serem anteriores à Cristo, não o mencionam em seus escritos, embora o tratem como mestre indispensável à história. E falando em história, é o nascimento de Jesus (um homem qualquer?) que a divide. É a cruz que está pregada em tribunais de justiça mesmo em países laicos como o nosso; é sobre a Bíblia que juram as testemunhas dos crimes julgados. Tudo isto me parece o cumprimento progressivo de uma profecia que o próprio Jesus proferiu a respeito de si mesmo:

"E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer." (João 12:32,33)

Batismo Infantil - Uma cicatriz no rosto de Calvino

Não houve como escapar. Lutei e fugi, mas, de um jeito ou de outro, eu sempre soube que este momento chegaria. Falo da ingrata oportunidade de escrever sobre este assunto. Digo "ingrata" porque sempre sofro retaliações sutis do círculo do qual faço parte (o presbiterianismo), quando publico opiniões divergentes de suas crenças ou práticas. Todavia, diferentemente da atitude dos judeus, narrada em João 12:42-43, não temo sofrer sanções de afastamento ou mesmo expulsões psíquicas daqueles que se assentam na mesa comigo para repartir o pão. É que eu amo exclusivamente a glória de Deus e dela não me apartarei por pragmatismo.

Pois bem, então! Vamos ao desenrolar do carretel. Em primeiro lugar, o título deste artigo tem sua conotação no fato de que sendo eu presbiteriano - e por assim dizer um "calvinista" - acredito que o conjunto de interpretações bíblicas de João Calvino, isto é, as doutrinas que ele assumiu como tais, são, em sua maioria, as corretas e convenientes constatações daquilo que é realidade nas Escrituras. Todavia, a meu ver, esta "acertividade" calvinista não implica na perfeita e plena conjunção doutrinária, ou seja, a doutrina da Depravação Total acolhida por ele não o isentou de ser totalmente depravado para errar.

Visto isso, considero o ato de batizar crianças como uma das poucas, embora existentes, opiniões teológicas equivocadas que o francês abraçou. Vejamos o porquê: o batismo infantil é justificado pelos teólogos reformados como o sinal neotestamentário (do Novo Testamento) que substitui, em forma de aplicação, o sinal veterotestamentário (do Velho Testamento) da circuncisão. É que, segundo eles, o Pacto da Graça selado com Abraão em Gênesis 17:9-14, se perpetuou mesmo após o advento da Nova Aliança. E se a circuncisão foi abolida em Cristo, logo deverá haver outro símbolo que cumpra este papel, concluí eles.

Eu concordo. Se nós somos descendentes de Abraão (Gl 3:6-14) e se a promessa divina se estenderia até os seus descendentes (Gn 17:1-8), então, estamos sim sob este Pacto. Mas pra que servia a circuncisão? Ora, para sinalizar, visível e externamente, que o sujeito circuncidado fazia superficialmente parte do Povo de Deus. Para tanto, o ato de circuncidar não tinha nenhuma ligação com a salvação. Estando circuncidado, um indivíduo poderia ser um israelense (pertencente ao povo hebreu), sem, contudo, ser um israelita, ou seja, alguém cujo coração fora transformado. O mesmo acontece com o batismo e com os batizados.

Por conseguinte, a Santa Ceia, no mesmo rumo desta constatação, é classificada como o ato simbólico que substitui a Páscoa. Para os calvinistas, o batismo e a ceia tornaram-se, portanto, os sacramentos que devem ser ministrados como meios de graça no seio da Igreja. Bem, apesar de não discordar veementemente que ambos os sinais supracitados são, de fato, substitutos daqueles dois ritos que, em Cristo, foram aniquilados, embora não haja nenhuma afirmação bíblica categórica a respeito desta substituição, não acredito que a transformação destes elementos se aplique somente à sua forma, mas, sobretudo, creio que ela tem relação direta com aqueles que receberão o sacramento.

Vou explicar: se o batismo substituísse a circuncisão exclusivamente em seu formato de sinalização, apenas os meninos de oito dias poderiam ser batizados, concorda? Pois somente eles eram circuncidados (Gn 17:12). Mas e as mulheres? Pior: e as mulheres adultas claramente batizadas no Novo Testamento? Se você indagar um bom pastor presbiteriano sobre este aparente contrassenso, ele, automaticamente, o responderá que houve uma ampliação do Pacto da Graça quando a Nova Aliança entrou vigor, de modo que aqueles que não recebiam o sinal, passaram, naturalmente, a recebê-lo (em qualquer época). No entanto, se é assim, por que a troca Páscoa/Ceia tomou o caminho inverso?

É que, no Antigo Testamento, todos os hebreus participavam da Páscoa: homens, mulheres, adultos e crianças (Ex 12:1-28); já no Novo, só discípulos professos e em comunhão com Deus "podem" cear (Mt 26:26-30; 1 Co 11:17-34). Você consegue enxergar o tamanho dantesco desta incoerência? Percebe que este argumento da "ampliação do Pacto" não tem aplicabilidade lógica? O que quero dizer é que este sistema reformado de substituição sacramental  é coerente e eu o admito, porém, é óbvio demais que o fato de que meninos eram circuncidados no Antigo Testamento não pode, coerentemente, justificar o ato de se batizar meninos e meninas no Novo.

Quando falamos em crianças e adultos, não estamos nos referindo à idade, mas à maturidade pessoal e subjetiva de cada um. Acredito que, na Nova Dispensação, Deus decidiu conectar a sinalização do Pacto da Graça à consciência (1Pe 3:21), de modo que o desejo pelo símbolo de participar do povo de Deus se manifeste espontaneamente e que antes do ato de ser marcado por este sinal, o indivíduo faça uma confissão pública da fé admitida em seu coração (At 8:36-38). Por todo o Novo Testamento, você só lerá relatos de batismos realizados com estas perspectivas.

Outra inconsistência presente no Batismo Infantil é com respeito à sua constatação hermenêutica. Se considerarmos algumas regras reformadas de interpretação bíblica, identificaremos grandes disparates entre o que dizem os presbiterianos sobre como se deve interpretar as Escrituras e como, de fato,  eles a interpretam:

1 - Os teólogos presbiterianos dizem que "os exemplos bíblicos só têm peso de autoridade quando são amparados por um mandamento". Entrementes, no caso do batismo infantil, não há mandamento algum ou qualquer tipo de exemplo, mesmo sem ordenança, que minimamente o pudesse ratificar. Até sobre um suposto e estranho "batismo pelos mortos" praticado pelos coríntios, há menção paulina (1Co 15:29), mas sobre o batismo de crianças, não existi nem meio versículo.

2 - Dizem também que "a história da Igreja é importante, mas que não é decisiva na interpretação da Escritura." Contudo, por não encontrarem um único versículo qualquer para descarregarem sua consciência, buscam relatos de historiadores dos primeiros séculos para darem razão à sua prática, como se isto fosse o suficiente para pleitear a instituição de uma doutrina na Igreja. É o mesmo que fazem os Adventistas do Sétimo Dia, quando querem através de relatos históricos seculares, evidenciar que a Igreja Primitiva guardava o sábado. É o mesmo argumento, ora! A pergunta é: por que os presbiterianos não guardam o sábado se existem literaturas que indicam sua guarda pelos primeiros cristãos?

3 - Afirmam também que "A Bíblia explica a própria Bíblia", isto é, que não devemos acrescentar, nem subtrair nada das Escrituras, de modo que quando ela fala, nós falamos, e que quando se cala, nos calamos. Entretanto, os pastores da IPB se apropriam de textos onde houve batismos coletivos para indicar que ali havia crianças e que foram batizadas. Contudo, se investigarmos os textos, veremos a altura do equívoco: em Atos 16:14,15 não são mencionadas crianças, por isto eu também não posso menciona-las; em Atos 16:32-34, Lucas cita a pregação e conversão de todos os da casa do carcereiro, o que, provavelmente, já exclui a existência de crianças, pois estas não podem professar a fé; em Atos 18:8, só foi batizado quem pode professar a fé; e em 1 Co 1:16, também não há registro algum sobre crianças batizadas.

4 - Asseveram "que de livros históricos não se pode extrair ou formular doutrinas, pois estes tem, em sua maioria, textos narrativos e não decretivos." Sendo assim, mesmo se o Livro de Atos mencionasse claramente um batismo infantil recorrente na Igreja Primitiva, não seria possível concluir, por meio de somente citações deste livro histórico, que o desejo de Deus era que crianças fossem batizadas no Novo Testamento.

Solução?

A solução não é muito complexa. Como eu disse, eu acredito que o batismo é sim a substituição da circuncisão. Mas disse também que esta substituição não se resume à mudança do rito, porém, sobretudo, a quem ele vai ser aplicado. E como, então, eu resolvo esta equação? Ora, é simples! Se você perguntar a um teólogo presbiteriano como as mulheres entravam, visível e externamente, no Pacto da Graça na esfera do Antigo Testamento, já que elas não eram circuncidadas, ele lhe responderá, por inferência lógica, que elas entravam através de um homem (quando solteira, pelo pai; quando casada, pelo marido). Isto não é bíblico, mas é a única opção inteligente. E eu concordo. Visto isso, assim como as mulheres, no contexto veterotestamentário, entravam no Pacto, por meio de uma figura masculina, sem qualquer simbolização, agora, no Novo testamento, os filhos entrarão também no Pacto sem um sinal, mas por meio dos pais, que receberam o sinal (o batismo). Coerente, não? O argumento reformado deveria se estender até o Novo Testamento. No entanto, você ainda poderia me perguntar: Marlon, mas e se só um dos pais for crente e, portanto, só ele tiver sido batizado? Como resolvemos? Simples também. É só lermos 1 Coríntios 7:14: "Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. De outro modo, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos." A única razão pela qual Paulo afirma que o cônjuge incrédulo é, de alguma forma, "santificado" no convívio do cônjuge crente, é para que os filhos não fiquem sem ser santos, ou seja, para que não fiquem fora do Pacto, embora não recebam seu sinal.

Eu, evangélico?

É recente. Fui batizado em 2008 na Igreja Presbiteriana do Brasil. Não faz nem uma década. Mas de lá pra cá, começou em mim um processo de lucidez existencial - e por que não espiritual? - que jamais havia experimentado antes. Então, passei a estudar a propedêutica da teologia, inteirar-me de literaturas multi-teológicas, frequentar círculos divergentes dos arraiais reformados, debater assuntos parcialmente inquestionáveis e tecer a gênese do meu amor por escrever sobre tudo a partir de uma perspectiva cristã. Isto abre a mente. Dá asas ao espírito. Amadurece a idiossincrasia pessoal e a cosmovisão de reino.

Foi, então, que percebi, com a surpresa de uma criança honesta na fé, que há algo muito errado com o universo evangélico brasileiro. A realidade é que a maior parte do que é produzido ou introduzido aqui, com um caráter religioso cristão, manifesta-se com uma roupagem colorida por dois elementos amplamente negativos: a mistificação do trivial e a ressurreição do que já está consumado. Já escrevi sobre isto em outros textos como "O catolicismo histórico, o valdemirismo brasileiro e a Síndrome de Tomé", "Os brincos da Coruja" e "Dossiê da história cristã". Todavia, gostaria que você me desse mais uma oportunidade de reavaliar estes fatos.

Parece que, quando as coisas começam a tomar rumo, sempre surgem cardos e abrolhos pra desfazerem o progresso iniciado. Tivemos o mover do G12, da visão celular, da descoberta do Benny Hinn, da ascensão de Edir Macedo (o mentor de "Erre Erre" Soares e Valdemiro Santiago), todos inspirados por Kenneth Hagin, T. L. Osborne & Cia. O neopentecostalismo, cujo fio condutor é a Teologia da Prosperidade e Cura, se dilatou e com ele um conceito equivocadíssimo de avivamento se espalhou pelos salãozinhos evangélicos. "'Salãozinhos' não! Mais respeito! Construímos a Cidade MUNDIAL e o terceiro Templo de Salomão na cidade de São Paulo." Coitado de São Paulo. Deve estar aos berros lá em cima.

Mas voltemos aos dois elementos supracitados. O primeiro é o que guia os cultos, as reuniões, a formação da liderança, o poder concedido a ela, a hierarquia eclesiástica, os sermões, as liturgias e as músicas do movimento evangélico brasileiro. Quando o G12 começou na Colômbia em 1983, ele não tinha todas as conotações que os evangélicos [leia-se: neopentecostais] lhe atribuíram aqui no Brasil: batalha espiritual, quebra de maldições, atos proféticos, cura interior, regressão, hipnose, fogueira santa etc. Todos estes ingredientes foram incrementados pelos bruxos cristãos de nossa geração. Não lhes basta o trivial, o comum, a singeleza da simplicidade. É necessário mistificar o padrão para lhe dar ares de espiritualidade.

Lembra-se da unção do leão de Ana Paula Valadão? Do copo de água em cima da televisão pela I.U.R.D? Dos lenços "Sê tu uma Bênção" do Valdemiro? Já ouviu falar em correntes, novos apóstolos, maldições hereditárias? Das loucuras do "Bispo" Átila Brandão que chama o arcanjo Gabriel de Gabi? Das maluquices da Igreja Quadrangular Brasil afora? Lembro-me que, aqui perto de casa, a igreja que citei por último proibiu os membros de tomar Coca-Cola; depois, desproibiram de tomar o refrigerante e baixaram um novo regulamento que definia a roupa com a qual os fiéis deveriam ir aos cultos: pano de saco. E é neste desequilíbrio que o cenário vai se descortinando.

Mas ainda não acabou. O outro elemento do qual falamos é a ressurreição do que faleceu em Cristo. Além de mistificar o simplório, eles querem vivificar a cultura judaica, suas tradições, a lei mosaica, Israel etc. Querem se vestir como os hebreus, trazer a água do rio Jordão ou serem batizados lá, engarrafar torrões de terra da Terra "Santa". Exatamente como o João Alexandre melodificou: "Reconstruindo o que Jesus derrubou. Recosturando o véu que a cruz já rasgou. Ressuscitando a lei, pisando na graça, negociando com Deus! No SHOW DA FÉ, milagre é tão natural, que até pregar com a mesma voz é normal. Nesse Evangeliquês UNIVERSAL, se apossando dos céus. Estão DISTANTE DO TRONO, caçadores de Deus ao som de um Shofar. E mais um ídolo importado dita as regras pra nos escravizar. É proibido pensar!"

E não é isto que o MACEDOzedeque acabou de fazer na terra da garoa? Dando vida ao que o Cristo assassinou quando foi assassinado na cruz? Como disse Paulo, não me envergonho do Evangelho, porém, tenho uma imensurável aflição e constrangimento quando sou confundido com um evangélico. É que o Evangelho e os evangélicos não se misturam, pelo menos ainda não. E se lá no panteão de apostasias deles, é proibido pensar, eu jamais quero estar incluído neste rótulo. Portanto, não me insulte. Não profane o meu nome. Não me detenha na roda destes escarnecedores. E, sobretudo, não me conte entre eles quando o censo passar.

O justo viverá pela fé - Será?

Tornou-se um consenso tácito entre a população protestante que a ratificação que Paulo faz do texto de Habacuque 2:4 em Romanos 1:17 refere-se a uma suposta experiência cristã que se manifesta, única e exclusivamente, pela fé, independente da relação com aquilo que a Bíblia denomina de "boas obras". Esta acepção, no entanto, só foi popularizada após o manejo deste versículo pelo monge agostiniano Martinho Lutero, que em 1517 teceu 95 argumentos contra a pregação e petição de indulgências por parte da Igreja Católica, elegendo a afirmação bíblica "O justo viverá pela fé" como o fio condutor de seus protestos.

Acredito que, embora o ato de apropriar-se deste texto para exaltar a doutrina da salvação pela fé seja totalmente correto e plausível, há uma ampliação branda deste sentido - muitas vezes imperceptível - que se estende à sua transformação em um álibi para se negligenciar a necessidade das obras, afinal, "o justo viverá pela fé". Entretanto, se avaliarmos o versículo de Rm 1:17 com um crivo hermenêutico minimamente razoável, ou seja, dissecando partes desta epístola paulina, descobriremos que o termo "justo" não se sintetiza em "crente" ou "cristão" apenas, mas que se dilata até um significado mais específico.

Duvida? Vamos lá então. A princípio, vire a primeira página da carta aos Romanos e localize o capítulo 2, verso de número 13. Diz assim: "Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados." O apóstolo dos gentios parece começar dando norte à sua concepção de quem, de fato, viverá pela fé. No mesmo capítulo ele já havia asseverado: "a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem,..." (v. 7); "glória, porém, e honra, e paz a todo aquele que pratica o bem..." (v. 10). Agora ele, categoricamente, afirma que o justo - ou o que será justificado - é aquele que PRATICA a lei.

Por conseguinte, parafraseando o versículo chave de nossa reflexão, poderemos transcrevê-lo da seguinte maneira: "O que pratica a lei viverá pela fé." Mas o que seria esta lei? A legislação de 613 artigos de Moisés? Só os dez mandamentos? Bem, caminhemos mais um pouco nos conceitos de Paulo. Abra em Romanos 13:8-10 e leia o textículo na íntegra. Agora, você já sabe o que é "cumprir a lei" na cosmovisão de Paulo, não é mesmo? É executar o amor; é amar o próximo como a ti mesmo; é a caridade; é fazer as boas obras. Assim sendo, temos o problema devidamente equacionado: "o justo viverá pela fé" é o mesmo que "o que cumpre a lei viverá pela fé", que, por sua vez, é o mesmo que "o que pratica a caridade viverá pela fé".

Talvez você não goste muito da palavra "caridade", porque as teologias protestantes preferem segregar esta expressão como um termo católico ou espírita. Todavia, tal palavra é, nada mais nada menos, um sinônimo do amor aplicado à vida alheia. Não há nada de herético nela. Mas voltemos ao nosso alvo. Vamos investigar se Jesus concorda com o valor que Paulo atribui ao adjetivo "justo". Em Mateus 25:31-46, o Cristo disserta a respeito das ovelhas e dos cabritos. Os primeiros deram de comer e de beber, hospedaram, vestiram e visitaram uns aos outros. Os últimos se omitiram com relação a estas práticas. Estes irão para o castigo eterno. As ovelhas, "os justos", porém, para a vida eterna (v. 46).

Se você reler o diálogo de Jesus com o jovem rico, perceberá que o mestre quer torná-lo justo antes dele o seguir: "Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me [ou melhor: depois você viverá pela fé]. Parece que há duas justificações navegando pelas páginas do Novo Testamento: uma é salvífica, repentina e concede a fé salvadora; a outra é contínua, progressiva e desenvolvedora desta fé através das obras. Por que você acha que Paulo e Tiago parecem discordar sobre este tema? E ainda sobre a própria justificação de Abraão? Ora, porque eles estavam falando de justificações diferentes (Gl 3:6-14; Tg 2:21-25).

Contudo, que fique claro que Paulo se apoderou da justificação pelas obras, trabalhada mais por Tiago, a fim de consolidar sua crença de que o indivíduo que executar atos de piedade para com o seu próximo, tornando-se, para tanto, um "justo", acabará, de fato, vivendo pela fé que solicitou as suas boas obras. Do contrário, se algum crente desejar apartar-se desta responsabilidade, saiba que entre a fé, a esperança e o amor, este último é o mais importante (1 Co 13:13). Sobretudo, respondendo a pergunta do título, o justo viverá sim pela fé. A diferença é que ser justo, neste caso, não significa ter fé, até porque é impossível acreditar em Deus, que não se pode ver, sem creditar amor ao homem, em quem não se precisa crer.

Por que não assisto mais à TV aberta?

A princípio, julgo ser amplamente necessário divulgar explicitamente o fio condutor de minha opinião: não sou contra a televisão aberta, popular, grátis por assim dizer. Aliás, como eu poderia me posicionar contra, diante do uso louvável - mesmo que raro - que se faz dela? Seria o mesmo que discordar do ato de uma dona de casa se utilizar da faca para partir seus legumes, levando em conta o fato de que há assassinos que se apoderam do mesmo instrumento para matar. Portanto, meu problema não é com o objeto, mas é com sua manipulação. Minha inquietação se manifesta na medida em que o manejo deste meio, a televisão aberta, torna-se uma verdadeira incubadora de desinteligência.

Por que não assisto mais à tevê aberta? Bem, eu posso não apenas lhe responder, mas posso [e prefiro] lhe mostrar. Para fazer isto, precisarei de sua colaboração. Caso você deseje aceitar, comece sintonizando sua televisão em um canal popular da TV aberta, seja num sábado qualquer ou numa trade de domingo. O ideal é que você faça isto quando estiver no ar algum programa de auditório, com um apresentador simpático, dinâmico e engraçado. Posso lembrá-lo de alguns: Programa do Faustão, Caldeirão do Hulk, Legendários, Pânico na TV, Programa Sílvio Santos, Programa Eliana, Domingo Legal, O melhor do Brasil, dentre outros.

Agora, procure elementos comuns entres todos estes programas e você se surpreenderá com o resultado: eles dispõem dos mesmos artifícios para fidelizar sua atenção e a de sua família, sem que vocês percebam que estão se divertindo com entretenimento barato num cativeiro de opções idênticas. Talvez você ainda não havia observado, mas este fenômeno é exatamente o descrito pelo rapper Gabriel O Pensador em sua música "Até Quando?": "A programação existe pra manter você na frente, na frente da TV, que é pra te entreter, que é pra você não ver que o programado é você."

Mulheres seminuas ou semi-vestidas [como você preferir], que banalizam a sensualidade feminina, ou seja, que a extrai da intimidade matrimonial e a negocia com o público, e em público; jogos QUIS de perguntas e respostas que desafiam os participantes com acertos que vale dinheiro e erros que levam uma torta à "cara"; reportagens com reforma de carros velhos, acabamento de imóveis, encontros de familiares distantes e viagens de volta às terras de pessoas humildes [leia-se: nordestinas], como se a responsabilidade socioeconômica assumida por estas emissoras milionárias fosse satisfeita somente com gotículas de assistência social.

Isto tudo, sem falar no sensacionalismo vulgar com as notícias de celebridades, os aplausos ao cantor convidado que teceu a complexa e erudita trilha sonora do momento e os quadros fúteis de paqueras superficiais que nada deveriam gerar, além da seguinte autoindagação: por que eu estou consumindo isto? Exatamente! Você e quem quer que seja, quando se assenta no sofá e aperta o botão ligar/desligar do seu aparelho televisor para se distrair com a programação da TV, está abrindo, concomitantemente, as janelas do consumo. Não digo "consumo" no sentido de comprar, mas com o significado de "se alimentar", de "se nutrir". E do que você pode estar se alimentando na TV aberta brasileira? Ora, de dejetos e refugo!

Não há humor, há bizarrices; não há informação, há seleção de notícias que produzirão audiência; não há dramaturgia que explore cultura ou que gere reflexões sociais, há enredos miseráveis que só desbravam a sexualidade (hétero ou homossexual), a traição (familiar ou profissional) e uma certa dose altíssima de ganância por poder e dinheiro, que, com uma vista grossa adequada, qualquer pai pode deixar sua filha assistir a este tipo de novela; não há esportes, há monopolização do futebol. Percebe agora como o conteúdo é selecionado para manter você ludibriado o bastante para não enxergar que não há conteúdo algum? Você compreende que as aparentes escolhas que o controle remoto supostamente lhe proporciona, funcionam como aquele velho ditado sobre o homem: "só mudam de endereço"?

Mas qual seria a solução, então? Assinar uma TV a cabo? Deixar de assistir à televisão se isto não for possível? Bem, a melhor alternativa é assinar sim uma TV paga, que, com um acervo vasto de verdadeiras opções, o problema poderá ser minimamente resolvido. Todavia, se este luxo não estiver ao alcance de quem o almeja, existe ainda a possibilidade de redigir uma seleção - mesmo que curta - não de canais, mas de programas razoavelmente assistíveis da TV aberta para o lazer residencial, o que necessitará, obviamente, de um crivo maduro, lúcido e ideológico para que haja êxito nesta tarefa. Menciono alguns programas: CQC, A Liga, Conexão Repórter, Profissão Repórter, The Noite, Agora é Tarde, Fantástico, De frente com Gabi etc.

Visto isso, creio ser preciso lembrar que a programação do final de semana da TV brasileira só foi um estereótipo do qual me apropriei, a fim de demonstrar a miserabilidade de um conjunto que se manifesta durante toda a semana. Contudo, não dá pra citar todos os canais que gostaria, muito menos seus itinerários de entretenimento. Este artigo é só um breve esboço de minha indignação. Está na hora de sair do sofá, mudar de canal ou lutar por uma legislação a respeito. De fato, não é tão utópico dar fim ao problema, ao passo que somos nós que possuímos, literalmente, o controle nas mãos para fazê-lo, pois se existe uma coisa na produção televisiva que é bastante clara, é que, quando um programa de TV não dá ibope, ele desaparece.

TEODICEIA - A ambivalente coexistência entre o bem e o mal

O bom e velho deus de barba branca, cajado na mão e ares de passividade, é a caricatura mais popular do Deus judaico-cristão entre as literaturas infantis das escolas dominicais. E é justamente a partir desta imagem distorcida que as pessoas se confundem ao confirmar o senso comum de que Deus é amor, sem, contudo, ser um Deus que aplica a justiça, que proporciona o reconhecimento de sua glória e que corrige aqueles a quem ama. Assim sendo, faz-se necessária uma elucidação a respeito deste equívoco contaminante, o qual não se construiu por meio de considerações bíblicas.

A TEODICEIA, enquanto ramificação acadêmica da teologia, designa o fato de que um aparente contrassenso existe no universo, ou seja, de que é estranho que uma divindade verdadeiramente do bem possa permitir o mal e conviver com ele. Sinto em dizer para os teóricos desta matéria que não há incoerência nenhuma, mas somente uma discrepância de nomenclatura. Deus não deu corda no planeta Terra e o deixou a mercê de uma possível autodestruição. Ele intervém o tempo todo no cosmos. A esta intervenção, frequentemente, damos o nome de "mal", enquanto Ele a nomeou de "justiça", "reconhecimento" e "correção".

Mesmo assim, para nossa rastaquera compreensão, Deus afirmou ser o executor desta maldade (Is 45:7; Lm 3:38). Porém, Deus não é passivo, mas sim pacífico. Há uma membrana tênue que distingue os dois adjetivos. Enquanto o primeiro refere-se à omissão, à frouxidão e à displicência, o segundo tem a ver com o objetivo de manter a paz, embora tal desejo não elimine a promoção do julgamento e da penalidade para aqueles que perturbarem a ordem vigente. Neste sentido, o pecado tanto individual como coletivo, são distúrbios diante dos quais Deus não se permiti ficar indiferente.


Isto mesmo! A maioria dos males que ocorrem às nossas vistas são frutos da justiça divina para com o pecado dos homens. E não importa se são direta ou indiretamente provocados por Deus, ou se Ele os permitiu ou os decretou, pois "O que um Deus onipotente prevê e permite, ele quer e ordena." (Terry Johnson). Basta-nos reconhecer que estes males se revelam basicamente em três formas distintas, a saber: os acidentes (naturais ou de imprudência humana), as doenças (físicas ou mentais) e a violência. Este tripé é o que protagoniza, vez ou outra e em menor ou maior grau, o sofrimento da humanidade.

Rotulamos de mal o tsunami da Ásia, o terremoto do Haiti, furacões nos EUA e enchentes no Brasil. Tais manifestações da natureza, via de regra, fazem multidões de vítimas. Entretanto, "Acaso, pode alguém entender o estender-se das nuvens e os trovões do pavilhão de Deus? Eis que estende sobre elas o seu relâmpago e encobre as profundezas do mar. Pois por estas coisas julga os povos e lhes dá mantimento em abundância. Enche as mãos de relâmpagos e os dardeja contra o adversário. O fragor da tempestade dá notícias a respeito dele, dele que é zeloso na sua ira contra a injustiça." (Jó 36:29-33).

E ainda: "Do SENHOR dos Exércitos vem o castigo com trovões, com terremotos, grande estrondo, tufão de vento, tempestade e chamas devoradoras." (Is 29:6). Perceba que, se tais catástrofes são obras que promovem a justiça de Deus, isto é bom e louvável. Por conseguinte, o que poderíamos dizer diante do cego de nascença (Jo 9:1-3) ou do falecido Lázaro (Jo 11:1-4), senão que as duas condições eram terrivelmente tristes e más? Contudo, leia no último versículo dos próprios textos supracitados o porquê comum que ambos tiveram para sofrer daquele modo. Era para que todos soubessem que Jesus era o messias e que vinha da parte de Deus.

Exatamente! A glória de Deus é a outra centelha e motivo que produz sofrimentos transitórios, a fim de que, depois de finalizados estes sofrimentos, estes produzam reconhecimento. Foi o que aconteceu nos casos acima e o que provavelmente ocorreu com os egípcios depois das dez pragas e do episódio do mar Vermelho: "Endurecerei o coração de faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército; e saberão os egípcios que eu sou o SENHOR. Eles assim o fizeram." (Ex 14:4). E assim também é com nossas angústias e aflições. Elas nos fazem reconhecer quem somos e quem Ele é. Leia Romanos 5:1-4 e 2 Coríntios 4:7-11.

E a terceira causa mais popular das dores resume-se na correção paterna. "Porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?" (Hb 12:6,7). Não se enquadram nesta espécie de sofrimento aqueles a quem Deus não tem por filhos. Por isto, grande alegria esta correção deve produzir em nós, posto que ela confirma a nossa filiação e, além disto, podemos ter a certeza de que depois de bater, Deus irá assoprar (Jó 5:17,18).

Por ora, o homem continua sendo responsável pelo que almeja e faz. Satanás prossegue sendo o promovedor da perversidade. Mas tudo isto - não hesite em crer - tem o seu lugar nos planos de Deus. É a eterna ambivalência que comporta no mesmo tempo-espaço a coexistência antagônica entra a soberania divina e a responsabilidade humana e maligna. Deus deseja a permanência de um "mal" transitório na humanidade, a fim de que, através desta maldade, Ele possa demonstrar o seu amor em salvar e cuidar dos homens para os quais Ele tem planos. Mas isto é conversa para um livro. Aqui estamos circunscritos.

Contudo, é mister ressaltar que Deus possui uma soberania absoluta e que, portanto, tudo o que acontece, o que não acontece e o que poderia ou não acontecer, são realidades que desaguam, de um jeito ou de outro, em sua vontade transcendente. Precisamos nos alimentar mais de conteúdo bíblico para alterarmos a nossa infantil observação dos fatos, começando a enxergar o caráter divino nos mesmos ou nos aquietando com a ignorância. Sobretudo, se um mesmo Sol pode amolecer a cera e endurecer o barro, por que um mesmo Deus não pode agir com o bem e reagir com o "mal"?

ALTRUÍSMO - A centelha da Missão Integral

É de se espantar que, mesmo diante de todo o conteúdo dos quatro evangelhos a respeito da assistência ao necessitado, a Teologia da Missão Integral ainda continue sendo rotulada de marxista, de versão protestante da Teologia da Libertação e de conjunto de medidas populistas, como se o Evangelho não fosse as boas novas do povão e como se Jesus tivesse lido o Manifesto Comunista ou outras literaturas posteriores para formular a sua proposta de experiência cristã, ou seja, que o altruísmo deve estar presente em todas as relações humanas.

Sobretudo, ser altruísta na concepção de Cristo significa possuir uma virtude que vai bem mais além do que simplesmente “pensar nos outros” ou até “amar como a si mesmo”. Para o mestre, o padrão deve ser estendido ao “amem uns aos outros assim como EU AMEI vocês” (Jo 13:33-35). Esta perspectiva nos ajuda a compreender que o amor ao próximo não está restrito a uma dimensão interna e sentimental, mas que se expande à atitude de priorizar, de se abnegar, de partilhar e de, quando necessário, se despir para que o outro se vista.

Em síntese, mediante os princípios da necessidade e proporcionalidade, o altruísmo cristão consiste em ações como: dar ou emprestar a quem pede (Mt 5:42); desfazer-se da excessividade dos bens e dar aos pobres (Mt 19:21; Lc 12:33); receber e acolher aqueles a quem o mundo despreza (Lc 14:12-14); repartir o pão com o faminto, cobrir o nu e amparar o pobre desabrigado (Is 58:7). Assim sendo, haverá a igualdade ambicionada por Paulo com relação aos que semearam bem e estão em abundância e aos que não semearam e estão em sobrecarga (2 Co 8:12-14).

A meu ver, é inadmissível pensar que textos como estes, ou são tratados como relativos ao contexto de Jesus ou ignorados no afã de gerar um desencargo de consciência tal que a Igreja possa se sentir à vontade na sociedade onde está inserida, sem, contudo, interferir nas realidades com as quais convive. Se em Israel, os mais vulneráveis eram os órfãos, as viúvas, os estrangeiros e os enfermos, é necessário saber que a dilatação do reino produzida na cruz, abrangerá as mazelas sociais existentes em todo o mundo. A Igreja precisa colocar a candeia sobre a mesa.

É isto mesmo que você entendeu. Iluminar o mundo com a luz de Cristo não é uma tarefa meramente teórica ou que reside no âmago de púlpitos, congressos e sacramentos. Estes elementos são relevantes para os encontros, a manutenção e o progresso do corpo. Mas esta é apenas uma das missões eclesiásticas. A outra e, em minha opinião, a mais importante e complexa, é tentar alcançar os da rua, da praça, das esquinas de bordeis e motéis, dos lugares mais recônditos e periféricos, pois estes são os pobres a quem Jesus estava aconchegando (Mt 11:5).

Mas aí você poderia pensar: a tarefa da Igreja é somente pronunciar oralmente a mensagem da cruz, pois a assistência social, hospitalar, habitacional e alimentar, são funções dos governos e de suas políticas e conjunturas. Eu tenho o imenso prazer de lhe asseverar que este é um grande equívoco. E, por incrível que pareça, foi o mesmo erro que os discípulos cometeram após um dos sermões do mestre. Eles queriam despedir a multidão, deixando-a à mercê de suas próprias condições para se alimentar no caminho. Mas Jesus os repreendeu: “Dai-lhes vós mesmos de comer." (Mt 14:15-16).

Esta é a finalidade da Teologia da Missão Integral, isto é, o que ela propõe é uma união deste altruísmo material com a proclamação oral do Evangelho. Neste sentido, a TMI consegue conciliar a verbalização da mensagem de Cristo com o auxílio àqueles que precisam ser alcançados ou mantidos, de modo que nas comunidades cristãs haja o mínimo de dignidade para todos e que, no mundo, os invisíveis da sociedade sejam enxergados e socorridos por tais comunidades. Se “nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”, o oposto também é verdadeiro.

E não pense você que este socorro deverá ser perpétuo, inibindo a livre iniciativa de trabalho ou a independência financeira do socorrido. É óbvio que este amparo é tão transitório quanto a carência que o solicitou e que sua razão de existir navega pela nobre vontade de proporcionar o progresso individual às pessoas, a fim de que, posteriormente, haja nelas a satisfação e a honradez de gerarem os seus próprios meios. O maná, as roupas e as sandálias que não gastam, têm seu tempo de vida útil idêntico ao período de permanência no deserto.

Por conseguinte, perceba que quando Jesus estava tecendo o sermão do monte, ele não se esqueceu de relacionar aquilo que, em um sentido restrito, nos é essencial para existir e viver com decência: alimentação e roupas (Mt 6:25-33). E foi exatamente destes itens que João Batista (Lc 3:10,11) e Tiago (Tg 2:14-16) se apropriaram, a fim de ensinar ao seu público que a promoção da justiça através das obras é um fator que complementa a concepção da verdadeira fé, pois ambas são tão harmônicas, que uma sem a outra se torna uma peça morta da engrenagem.

Contudo, a integralidade da Missão de Jesus não acaba por aí. Além de alimentos e vestes, Cristo por duas vezes ampliou a extensão de sua missiologia até o custeio de abrigo e hospitalidade para com os que precisam de acolhimento (Mt 25:35-45; Lc 10:33-35). A partir daí, podemos perceber que sua abordagem sempre nos ensina um caminho de evangelização e discipulado que abrange a totalidade do homem, de forma que as urgências inerentes à pessoa humana devam ser solucionadas, primeira e principalmente, pela Igreja, seja de modo espiritual ou material.