Batismo Infantil - Uma cicatriz no rosto de Calvino

Não houve como escapar. Lutei e fugi, mas, de um jeito ou de outro, eu sempre soube que este momento chegaria. Falo da ingrata oportunidade de escrever sobre este assunto. Digo "ingrata" porque sempre sofro retaliações sutis do círculo do qual faço parte (o presbiterianismo), quando publico opiniões divergentes de suas crenças ou práticas. Todavia, diferentemente da atitude dos judeus, narrada em João 12:42-43, não temo sofrer sanções de afastamento ou mesmo expulsões psíquicas daqueles que se assentam na mesa comigo para repartir o pão. É que eu amo exclusivamente a glória de Deus e dela não me apartarei por pragmatismo.

Pois bem, então! Vamos ao desenrolar do carretel. Em primeiro lugar, o título deste artigo tem sua conotação no fato de que sendo eu presbiteriano - e por assim dizer um "calvinista" - acredito que o conjunto de interpretações bíblicas de João Calvino, isto é, as doutrinas que ele assumiu como tais, são, em sua maioria, as corretas e convenientes constatações daquilo que é realidade nas Escrituras. Todavia, a meu ver, esta "acertividade" calvinista não implica na perfeita e plena conjunção doutrinária, ou seja, a doutrina da Depravação Total acolhida por ele não o isentou de ser totalmente depravado para errar.

Visto isso, considero o ato de batizar crianças como uma das poucas, embora existentes, opiniões teológicas equivocadas que o francês abraçou. Vejamos o porquê: o batismo infantil é justificado pelos teólogos reformados como o sinal neotestamentário (do Novo Testamento) que substitui, em forma de aplicação, o sinal veterotestamentário (do Velho Testamento) da circuncisão. É que, segundo eles, o Pacto da Graça selado com Abraão em Gênesis 17:9-14, se perpetuou mesmo após o advento da Nova Aliança. E se a circuncisão foi abolida em Cristo, logo deverá haver outro símbolo que cumpra este papel, concluí eles.

Eu concordo. Se nós somos descendentes de Abraão (Gl 3:6-14) e se a promessa divina se estenderia até os seus descendentes (Gn 17:1-8), então, estamos sim sob este Pacto. Mas pra que servia a circuncisão? Ora, para sinalizar, visível e externamente, que o sujeito circuncidado fazia superficialmente parte do Povo de Deus. Para tanto, o ato de circuncidar não tinha nenhuma ligação com a salvação. Estando circuncidado, um indivíduo poderia ser um israelense (pertencente ao povo hebreu), sem, contudo, ser um israelita, ou seja, alguém cujo coração fora transformado. O mesmo acontece com o batismo e com os batizados.

Por conseguinte, a Santa Ceia, no mesmo rumo desta constatação, é classificada como o ato simbólico que substitui a Páscoa. Para os calvinistas, o batismo e a ceia tornaram-se, portanto, os sacramentos que devem ser ministrados como meios de graça no seio da Igreja. Bem, apesar de não discordar veementemente que ambos os sinais supracitados são, de fato, substitutos daqueles dois ritos que, em Cristo, foram aniquilados, embora não haja nenhuma afirmação bíblica categórica a respeito desta substituição, não acredito que a transformação destes elementos se aplique somente à sua forma, mas, sobretudo, creio que ela tem relação direta com aqueles que receberão o sacramento.

Vou explicar: se o batismo substituísse a circuncisão exclusivamente em seu formato de sinalização, apenas os meninos de oito dias poderiam ser batizados, concorda? Pois somente eles eram circuncidados (Gn 17:12). Mas e as mulheres? Pior: e as mulheres adultas claramente batizadas no Novo Testamento? Se você indagar um bom pastor presbiteriano sobre este aparente contrassenso, ele, automaticamente, o responderá que houve uma ampliação do Pacto da Graça quando a Nova Aliança entrou vigor, de modo que aqueles que não recebiam o sinal, passaram, naturalmente, a recebê-lo (em qualquer época). No entanto, se é assim, por que a troca Páscoa/Ceia tomou o caminho inverso?

É que, no Antigo Testamento, todos os hebreus participavam da Páscoa: homens, mulheres, adultos e crianças (Ex 12:1-28); já no Novo, só discípulos professos e em comunhão com Deus "podem" cear (Mt 26:26-30; 1 Co 11:17-34). Você consegue enxergar o tamanho dantesco desta incoerência? Percebe que este argumento da "ampliação do Pacto" não tem aplicabilidade lógica? O que quero dizer é que este sistema reformado de substituição sacramental  é coerente e eu o admito, porém, é óbvio demais que o fato de que meninos eram circuncidados no Antigo Testamento não pode, coerentemente, justificar o ato de se batizar meninos e meninas no Novo.

Quando falamos em crianças e adultos, não estamos nos referindo à idade, mas à maturidade pessoal e subjetiva de cada um. Acredito que, na Nova Dispensação, Deus decidiu conectar a sinalização do Pacto da Graça à consciência (1Pe 3:21), de modo que o desejo pelo símbolo de participar do povo de Deus se manifeste espontaneamente e que antes do ato de ser marcado por este sinal, o indivíduo faça uma confissão pública da fé admitida em seu coração (At 8:36-38). Por todo o Novo Testamento, você só lerá relatos de batismos realizados com estas perspectivas.

Outra inconsistência presente no Batismo Infantil é com respeito à sua constatação hermenêutica. Se considerarmos algumas regras reformadas de interpretação bíblica, identificaremos grandes disparates entre o que dizem os presbiterianos sobre como se deve interpretar as Escrituras e como, de fato,  eles a interpretam:

1 - Os teólogos presbiterianos dizem que "os exemplos bíblicos só têm peso de autoridade quando são amparados por um mandamento". Entrementes, no caso do batismo infantil, não há mandamento algum ou qualquer tipo de exemplo, mesmo sem ordenança, que minimamente o pudesse ratificar. Até sobre um suposto e estranho "batismo pelos mortos" praticado pelos coríntios, há menção paulina (1Co 15:29), mas sobre o batismo de crianças, não existi nem meio versículo.

2 - Dizem também que "a história da Igreja é importante, mas que não é decisiva na interpretação da Escritura." Contudo, por não encontrarem um único versículo qualquer para descarregarem sua consciência, buscam relatos de historiadores dos primeiros séculos para darem razão à sua prática, como se isto fosse o suficiente para pleitear a instituição de uma doutrina na Igreja. É o mesmo que fazem os Adventistas do Sétimo Dia, quando querem através de relatos históricos seculares, evidenciar que a Igreja Primitiva guardava o sábado. É o mesmo argumento, ora! A pergunta é: por que os presbiterianos não guardam o sábado se existem literaturas que indicam sua guarda pelos primeiros cristãos?

3 - Afirmam também que "A Bíblia explica a própria Bíblia", isto é, que não devemos acrescentar, nem subtrair nada das Escrituras, de modo que quando ela fala, nós falamos, e que quando se cala, nos calamos. Entretanto, os pastores da IPB se apropriam de textos onde houve batismos coletivos para indicar que ali havia crianças e que foram batizadas. Contudo, se investigarmos os textos, veremos a altura do equívoco: em Atos 16:14,15 não são mencionadas crianças, por isto eu também não posso menciona-las; em Atos 16:32-34, Lucas cita a pregação e conversão de todos os da casa do carcereiro, o que, provavelmente, já exclui a existência de crianças, pois estas não podem professar a fé; em Atos 18:8, só foi batizado quem pode professar a fé; e em 1 Co 1:16, também não há registro algum sobre crianças batizadas.

4 - Asseveram "que de livros históricos não se pode extrair ou formular doutrinas, pois estes tem, em sua maioria, textos narrativos e não decretivos." Sendo assim, mesmo se o Livro de Atos mencionasse claramente um batismo infantil recorrente na Igreja Primitiva, não seria possível concluir, por meio de somente citações deste livro histórico, que o desejo de Deus era que crianças fossem batizadas no Novo Testamento.

Solução?

A solução não é muito complexa. Como eu disse, eu acredito que o batismo é sim a substituição da circuncisão. Mas disse também que esta substituição não se resume à mudança do rito, porém, sobretudo, a quem ele vai ser aplicado. E como, então, eu resolvo esta equação? Ora, é simples! Se você perguntar a um teólogo presbiteriano como as mulheres entravam, visível e externamente, no Pacto da Graça na esfera do Antigo Testamento, já que elas não eram circuncidadas, ele lhe responderá, por inferência lógica, que elas entravam através de um homem (quando solteira, pelo pai; quando casada, pelo marido). Isto não é bíblico, mas é a única opção inteligente. E eu concordo. Visto isso, assim como as mulheres, no contexto veterotestamentário, entravam no Pacto, por meio de uma figura masculina, sem qualquer simbolização, agora, no Novo testamento, os filhos entrarão também no Pacto sem um sinal, mas por meio dos pais, que receberam o sinal (o batismo). Coerente, não? O argumento reformado deveria se estender até o Novo Testamento. No entanto, você ainda poderia me perguntar: Marlon, mas e se só um dos pais for crente e, portanto, só ele tiver sido batizado? Como resolvemos? Simples também. É só lermos 1 Coríntios 7:14: "Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. De outro modo, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos." A única razão pela qual Paulo afirma que o cônjuge incrédulo é, de alguma forma, "santificado" no convívio do cônjuge crente, é para que os filhos não fiquem sem ser santos, ou seja, para que não fiquem fora do Pacto, embora não recebam seu sinal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário