Hipocondria – Uma patologia brasileira

O sabor amargo do analgésico parece não ser tão relevante para o pitoresco paladar brasileiro. Não conheço, por leitura, documentários ou pessoalmente, outro país que tenha tanto prazer em remediar suas mazelas ao invés de prevenir suas causas e mitigar seus efeitos. Todos os anos, o mesmo cenário catastrófico se repete: as enchentes urbanas inundam as mesmas capitais anteriormente inundadas; os desabamentos de terra atingem as mesmas zonas de risco de doze meses atrás e os motivos das mortes acabam por se reiterar nos atestados de óbito Brasil afora. Contemplando este quadro, a dor coletiva das perdas aparenta ser branda o suficiente para ser menos dolorosa que a agulhada de uma vacina social: a intervenção e a reengenharia na estrutura do município.

Mas isto não é tudo. Esta peculiaridade nacional não se restringe apenas às negligências da Defesa Civil. O aspecto sazonal destas tragédias provocadas pela chuva, fator que já é comum e aguardado em épocas exatas de todos os anos, na verdade, serve, sobretudo, para demonstrar de uma forma mais tangível – e infelizmente letal – como funciona a exótica cultura comportamental deste país, isto é, a de ser hipocondríaca em suas respostas e soluções. Ser hipocondríaco significa, além de ter paranóias com doenças inexistentes, possuir uma satisfação estranha em tomar coquetéis de remédios. E é com esta última característica que o Brasil se identifica perfeitamente.

Você já observou que a cada quaterno de anos, a corrupção renasce vigorosamente nas urnas eleitorais? Já chegou a pensar que este fato não pode ser resolvido? Eu também. Mas a questão é que dificilmente as pessoas enxergam o que está diante dos olhos. Passamos os quatro anos posteriores às eleições nos alimentando com flagrantes e gravações, filmagens reveladas no Fantástico, julgamentos de escândalos e com as anedotas políticas do CQC. E isto vai vigorar perpetuamente entre uma eleição e outra, pois é uma enfermidade incurável, uma doença em contínuo estado de evolução, a não ser que recorramos à única esperança viável, ou seja, uma vacina, uma prevenção planejada nos quatro anos anteriores. Falo do clichê: o voto.

O problema reside na cultura, na qual a Síndrome de Tomé é preponderantemente a maior responsável por nossas desgraças. É como se precisássemos ver os efeitos da inflação calculada para o trimestre, da queda ou estagnação do PIB, das medidas populistas do PT que só mudam de nome, da futura inadimplência dos alunos beneficiados pelo FIES, da incoerência fatídica da COPA num país emergente onde a própria saúde é socorrida por médicos estrangeiros, para, enfim, nos apropriarmos de artifícios à base de Morfina, a fim de aliviarmos as reações negativas que já esperávamos. É como dar de ombros frente às palavras de Salomão: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós.” (Ec 1:9,10).

Precisamos aprender a ter fé no óbvio. Os processos humanos são previsíveis demais para serem ignorados. O axioma do Corpo de Bombeiros Militar já nos adverte há séculos: “É melhor prevenir do que remediar”. Para tanto, posso citar a atitude exemplar da FEMA (Agência Federal de Gerenciamentro de Emergências) dos EUA, quando adquiriu milhões de caixões de fibra, preparando-se para grandes desastres naturais ou terroristas. Mas este não é um mérito pertencente a esta agência, mas à cultura governamental americana, a qual, neste sentido, deveríamos imitar com muito afinco. Se assim não for, o Brasil continuará numa rodinha de Hamster, revendo, periodicamente, o mesmo cenário involutivo e desagradável dos anos anteriores, não se atendo ao fato de que, assim, jamais haverá ORDEM E PROGRESSO.

Ameaças

Há três coisas que ameaçam o corpo: as doenças, os acidentes e a violência; há duas que hostilizam a mente: a loucura e a solidão; e há apenas uma que apavora a alma: o pecado.

Pecadinho e Pecadão - Entre discursos e disciplinas

Consta que, para os protestantes sem exceção, o pecado é um ato imensurável em termos de gravidade, pelo menos para Deus, que na sua avaliação pune a desobediência de forma indiscriminatória, não importando, portanto, as diferenças entre pecados, mas o caráter hostil e rebelde que é comum a todos eles. Neste sentido, roubar ou matar, só faz diferença para a esfera social na qual se está inserido. Por outro lado, para os católicos, esta conclusão é tão insipiente quanto herética, posto que, para eles, existe uma legenda bíblica que classifica os pecados em veniais ou mortais, além dos populares sete pecados capitais que a igreja católica reconhece.

Bem, o problema não é a discordância entre católicos e protestantes em relação à natureza do pecado, muitos menos os fundamentos da hamartiologia de ambos. O que está em discussão é o fato irônico de que os primeiros estão errados de forma coerente e de que os últimos estão corretos, mas distantes de qualquer sentido prático. O que quero dizer com isto? Ora, que o catolicismo teorizou o pecado de um modo equivocado, mas que seu tratamento aos pecadores permanece idêntico à sua teoria, ao passo que os evangélicos, apesar de serem categóricos em afirmar a inexistência do "pecadinho e pecadão", são unânimes em retificar esta afirmação quando os pecados são de índole sexual.

Quando falo em pecados sexuais, estou referindo-me aos distúrbios de uma sexualidade que deve ser voluntária, heterossexual, monogâmica e fundamentada em laços de compromisso. Podemos sintetizar tais pecados em uma tríade que é a raiz de todos os males do sexo: o adultério [relação extraconjugal para um indivíduo casado], a prostituição [relação sexual para quem é solteiro] e a homossexualidade [relacionamento sexual consumado entre pessoas do mesmo sexo]. A estas incongruências, o Novo Testamento dá o nome de PORNEIA, de onde se originou o termo PORNOGRAFIA. E são estes - e apenas estes - os pecados superestimados pelas igrejas evangélicas como passíveis de sabatina pública, disciplina moral e até excomungações de seus membros.

Se Deus odeia o pecado de forma genérica, para os protestantes, Ele odeia mais ainda o pecador que comete qualquer uma das faltas que eu acabei de citar. E percebe-se, a partir deste fato, uma incoerência fatídica que existi entre os discursos proferidos nos púlpitos protestantes e as penalidades impostas aos pecadores que se tornam réus dos PECADÕES sexuais. Mas esta disparidade entre teoria e prática eclesiástica é bem mais antiga do que se pode imaginar, e remonta aos primeiros séculos da era cristã, quiçá porque na legislação judaica, transgressões de cunho sexual eram punidas com expulsão dos culpados do meio do povo e até mesmo com a pena de morte (Leia Lv 20:7-23). 

Mas isto tem que acabar! Nós, da Nova Aliança, não podemos nos balizar na Lei de Moisés para tecer parâmetros de avaliação do pecado. Eu sei que esta comparação que se faz nas igrejas não é totalmente consciente, posto que se trata de um comportamento proveniente de um inconsciente coletivo, culturalizado pela idiossincrasia sexual dos hebreus, porém, isto não é uma justificativa satisfatória para que deixemos de reparar este erro no cristianismo. Assim sendo, mentir ou adulterar; fofocar ou fornicar; trapacear ou ter relações homossexuais, são atos que devem ter o mesmo peso para todos os irmãos. E este peso deve ser o da naturalidade, visto que qualquer pecado é uma ameça possível em qualquer momento, para qualquer pessoa.

Não se preocupe! Não estou fazendo apologia ao ato de pecar. O que estou dizendo é que há uma natureza pecaminosa presente em nós, da qual não conseguimos nos desfazer, pois por mais puritanos que tentamos ser, o que nos diferencia dos infratores a quem julgamos é apenas a oportunidade. Diante isto, há duas informações sobre o pecado que merece uma atenção especial. A primeira é que não há homem que não peque (Ec 7:20; 2 Cr 6:36). A segunda é que o pecado (qualquer pecado) nos "separa" de Deus, o entristecendo (Is 59:2; Ef 4:30). Então, nem pecados sexuais, nem contra o patrimônio alheio, nem contra a dignidade humana e nem mesmo contra a vida, podem soar diferente para o ser de Deus, visto que esta "separação" é o efeito único causado por qualquer transgressão da lei divina.

Contudo, mesmo depois desta explanação objetiva, você ainda pode ter dúvidas a respeito do que penso sobre "disciplina na igreja". Para tanto, como conclusão deste artigo, faço minhas as palavras de Ed René Kivitz: "A fim de que alguém seja disciplinado na comunidade, cinco critérios devem ser observados. Em primeiro lugar, naturalmente, a pessoa precisa estar cometendo um pecado. Em segundo lugar, é preciso tratar-se de um pecado mensurável: não é possível estabelecer um processo de disciplina contra alguém por ser egoísta, orgulhoso ou vaidoso. Terceiro, deve ser um pecado praticado, ou seja, a pessoa deve estar realmente envolvida. Em quarto lugar, para que alguém seja disciplinado é necessário que seu pecado seja praticado continuamente, como um estilo de vida. E, por último, esse estilo de vida deve ter sido adotado voluntariamente - porque é preciso distinguir os irmãos fracos, que lutam contra uma conduta inadequada, dos cínicos, que escolheram o pecado como um estilo de vida e o praticam voluntária e continuamente."