Pecadinho e Pecadão - Entre discursos e disciplinas

Consta que, para os protestantes sem exceção, o pecado é um ato imensurável em termos de gravidade, pelo menos para Deus, que na sua avaliação pune a desobediência de forma indiscriminatória, não importando, portanto, as diferenças entre pecados, mas o caráter hostil e rebelde que é comum a todos eles. Neste sentido, roubar ou matar, só faz diferença para a esfera social na qual se está inserido. Por outro lado, para os católicos, esta conclusão é tão insipiente quanto herética, posto que, para eles, existe uma legenda bíblica que classifica os pecados em veniais ou mortais, além dos populares sete pecados capitais que a igreja católica reconhece.

Bem, o problema não é a discordância entre católicos e protestantes em relação à natureza do pecado, muitos menos os fundamentos da hamartiologia de ambos. O que está em discussão é o fato irônico de que os primeiros estão errados de forma coerente e de que os últimos estão corretos, mas distantes de qualquer sentido prático. O que quero dizer com isto? Ora, que o catolicismo teorizou o pecado de um modo equivocado, mas que seu tratamento aos pecadores permanece idêntico à sua teoria, ao passo que os evangélicos, apesar de serem categóricos em afirmar a inexistência do "pecadinho e pecadão", são unânimes em retificar esta afirmação quando os pecados são de índole sexual.

Quando falo em pecados sexuais, estou referindo-me aos distúrbios de uma sexualidade que deve ser voluntária, heterossexual, monogâmica e fundamentada em laços de compromisso. Podemos sintetizar tais pecados em uma tríade que é a raiz de todos os males do sexo: o adultério [relação extraconjugal para um indivíduo casado], a prostituição [relação sexual para quem é solteiro] e a homossexualidade [relacionamento sexual consumado entre pessoas do mesmo sexo]. A estas incongruências, o Novo Testamento dá o nome de PORNEIA, de onde se originou o termo PORNOGRAFIA. E são estes - e apenas estes - os pecados superestimados pelas igrejas evangélicas como passíveis de sabatina pública, disciplina moral e até excomungações de seus membros.

Se Deus odeia o pecado de forma genérica, para os protestantes, Ele odeia mais ainda o pecador que comete qualquer uma das faltas que eu acabei de citar. E percebe-se, a partir deste fato, uma incoerência fatídica que existi entre os discursos proferidos nos púlpitos protestantes e as penalidades impostas aos pecadores que se tornam réus dos PECADÕES sexuais. Mas esta disparidade entre teoria e prática eclesiástica é bem mais antiga do que se pode imaginar, e remonta aos primeiros séculos da era cristã, quiçá porque na legislação judaica, transgressões de cunho sexual eram punidas com expulsão dos culpados do meio do povo e até mesmo com a pena de morte (Leia Lv 20:7-23). 

Mas isto tem que acabar! Nós, da Nova Aliança, não podemos nos balizar na Lei de Moisés para tecer parâmetros de avaliação do pecado. Eu sei que esta comparação que se faz nas igrejas não é totalmente consciente, posto que se trata de um comportamento proveniente de um inconsciente coletivo, culturalizado pela idiossincrasia sexual dos hebreus, porém, isto não é uma justificativa satisfatória para que deixemos de reparar este erro no cristianismo. Assim sendo, mentir ou adulterar; fofocar ou fornicar; trapacear ou ter relações homossexuais, são atos que devem ter o mesmo peso para todos os irmãos. E este peso deve ser o da naturalidade, visto que qualquer pecado é uma ameça possível em qualquer momento, para qualquer pessoa.

Não se preocupe! Não estou fazendo apologia ao ato de pecar. O que estou dizendo é que há uma natureza pecaminosa presente em nós, da qual não conseguimos nos desfazer, pois por mais puritanos que tentamos ser, o que nos diferencia dos infratores a quem julgamos é apenas a oportunidade. Diante isto, há duas informações sobre o pecado que merece uma atenção especial. A primeira é que não há homem que não peque (Ec 7:20; 2 Cr 6:36). A segunda é que o pecado (qualquer pecado) nos "separa" de Deus, o entristecendo (Is 59:2; Ef 4:30). Então, nem pecados sexuais, nem contra o patrimônio alheio, nem contra a dignidade humana e nem mesmo contra a vida, podem soar diferente para o ser de Deus, visto que esta "separação" é o efeito único causado por qualquer transgressão da lei divina.

Contudo, mesmo depois desta explanação objetiva, você ainda pode ter dúvidas a respeito do que penso sobre "disciplina na igreja". Para tanto, como conclusão deste artigo, faço minhas as palavras de Ed René Kivitz: "A fim de que alguém seja disciplinado na comunidade, cinco critérios devem ser observados. Em primeiro lugar, naturalmente, a pessoa precisa estar cometendo um pecado. Em segundo lugar, é preciso tratar-se de um pecado mensurável: não é possível estabelecer um processo de disciplina contra alguém por ser egoísta, orgulhoso ou vaidoso. Terceiro, deve ser um pecado praticado, ou seja, a pessoa deve estar realmente envolvida. Em quarto lugar, para que alguém seja disciplinado é necessário que seu pecado seja praticado continuamente, como um estilo de vida. E, por último, esse estilo de vida deve ter sido adotado voluntariamente - porque é preciso distinguir os irmãos fracos, que lutam contra uma conduta inadequada, dos cínicos, que escolheram o pecado como um estilo de vida e o praticam voluntária e continuamente."

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