Pecado de estimação

       Não há um justo sequer que não peque (esta é a declaração bíblica). O pecado, em todas as suas ocorrências, ainda precisa ser apenas um acidente na vida de cada crente. Todavia, nós alimentamos as nossas fraquezas mais subjetivas e as nossas limitações mais intrínsecas com o passar da vida e por isto existe sempre uma transgressãozinha lá no cantinho de nossas vontades naturalizadas, que enche os olhos de nossa carne e nos leva a um açougue de desejos, onde cada pecado foi especialmente pendurado para cada um de nós.
          Algumas pessoas têm dificuldades irrefutáveis com a sua sexualidade, outras não conseguem segurar a língua atrás dos dentes; por demais, vejo problemas com insubmissão, falta completa de testemunho, a presença humilde de muito orgulho e bastante facilidade com atitudes desonestas (falo de cristãos). Nasce e se põe o Sol, e nós estamos praticando as mesmas mazelas que tanto nos é peculiar; no momento do ato, seja ele qual for, parece ser a melhor forma de desenvolver Dopamina, Serotonina e Noradrenalina em nosso cérebro; depois dele, só resta cinzas de arrependimento e lágrimas de vergonha perante Deus. Daí, é inevitável se indagar: Mas de novo eu agi assim?
          Se considerarmos a tese que a natureza pecaminosa está presente em nosso corpo e que a natureza regenerada ocupa a nossa alma, poderemos conceber e estender a aflição poética de Paulo a todos os nascidos de mulher: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro e sim o que detesto. Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim. Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.” (Rm 7:15-23). Considerando estas palavras, podemos concluir que há de fato confrontos travados nos altares de nossos anseios, que se dividem em propósitos e em essência; podemos também ultimar que vence o desejo mais cuidado, alimentado e massageado ao longo de nossos dias. E é com isto que me preocupo.
          Meu intuito aqui não é dar uma aula de Harmatiologia, mas inferir que não podemos abusar da graça da salvação para nos instalar em práticas pecaminosas, pois “permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Rm 6:1-2); “Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne;...” (Gl 5:13). O pecado, eu sei, é comum a todos incorporeamente e faz parte de todo o processo de existência de cada um de nós, mas ele não pode de forma alguma se tornar um engajamento rotineiro, de normalidade, assiduidade e constância. Pois, o “SE todavia alguém pecar” de  1Pedro 2:1 nos retorna a idéia de esporadicidade de seu acontecimento. Pecar não pode fazer parte de nosso cotidiano, de nossa vida pessoal ou comunitária, assim como não integra todas as nossas viagens, os acidentes que tanto tememos. Temamos também o “ser pecador.”
          Enfim, além de entristecer o Espírito do Criador, pecar vai além de toda a nossa compreensão de crime e de transgressão social. Imagine você como crente no Velho Testamento: SE você pecasse, você teria que se dirigir ao pasto e adquirir um cordeiro de um ano, macho e sem defeito nenhum, levá-lo para o sacrifício, e depois de amarrado na pedra da oferta, você ouviria os gritos, choros e o ranger de dentes deste carneiro cujo sangue inocente fora derramado em seu lugar. Como crente do Novo concerto, você não passará por esta experiência, mas talvez cruzará piores estacas, pois estará “crucificando de novo para si mesmo o Filho de Deus e o expondo à ignomínia.” (Hb 6:6). Seja em um concerto ou em outro, o seu pecado é uma desgraça e é necessário que você não o acolha como de estimação, não o alimente como faminto e não o customize como parte de você. “Não que você tenha alcançado a perfeição; mas prossiga para conquistar aquilo para o que também foi conquistado por Cristo Jesus.” (Fp 3:12): agora sim, a perfeição.

Tempos e templos

           A Igreja, da forma como é concebida hoje, é sem sombra de dúvidas uma caricatura cristã do antigo Templo e dos tempos dos Hebreus. Nós, do Novo testamento, ainda não conseguimos ou não tivemos a ousada coragem de nos desligar por completo dos aspectos meramente litúrgicos e ritualísticos do Judaísmo. E para tanto, elegemos o nosso sacerdote (Pastor), os nossos levitas (ministros de louvor) e o nosso dia santo (Domingo); o púlpito se tornou um altar, a bandeira de Israel invade os cultos e até candelabros se espalham pelos templos.
            Foi-se o tempo em que Deus se metia em lugares construídos e arquitetados por mãos humanas (At 17:24). Agora nada importa, nem sinagoga, nem tabernáculo, nem templo e nem Igreja...de tijolos claro. Pois a igreja neotestamentária cuja fundação estava na mente e na agenda de Cristo, está sim possui a presença de Deus em seu meio, mas ela é uma situação e não um lugar estabelecido, e a mesma se conclui e só existe quando ocorre a reunião dos discípulos de Jesus e exclusivamente em Seu nome; de forma que quando se despedem os crentes dos chamados templos, estes voltam a ser apenas prédios, sem vida, sem graça e sem Deus. Portanto, a Igreja pode acontecer num boteco, numa calçada e até mesmo em um edifício com placa de igreja.
            Santo é o povo de Deus. Sagrado é o partir do pão e o beber do cálice. Santificado é o batismo na autoridade do nome de Cristo. Mas quando levamos estes valores e atribuições espirituais a ritos religiosos e aos componentes físicos do cristianismo, estamos ignorando o passar dos anos e o andar do tempo, sem falar na divisão que o mestre fez na cruz para não nos ligarmos mais a estes rudimentos e oblações com aparência de rigor ascético. Importa pra Deus que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade, sem uma conexão real com roupas, datas, horários, lugares e etc. O Deus de Israel não mudou. Só não é mais a mesma, a forma como ele deseja se relacionar com o seu povo, depois do ocorrido no calvário.
             A Igreja ainda marginaliza as mulheres, infantiliza os leigos e diviniza os seus guias; um comportamento de mesma proporção aos postulados de valores e costumes dos judeus. Somos israelitas do mundo, e não nos preocupamos com isto. Nos importamos mesmo é com o alargamento dos nossos filactérios e o alongar de nossas franjas (Mt 23:5). O modelo de religião abraâmico e que posteriormente foi sistematizado por Moisés, nos influencia categoricamente em nosso conceito de culto e de vida, quase que sem uma consciência arbitrária para julgar todas as coisas e reter o que é bom.
             Não quero mais ser um menino no juízo, como certa vez disse Paulo aos coríntios. Somos herdeiros de um prisioneiro político e torturado pelos romanos, a mando dos judeus. Por isto, o Deus a quem eu sirvo não tem mais ligação alguma com este povo étnico e essencialmente religioso. O Messias a quem eu me prostro, mesmo que de sangue israelense, nasceu numa manjedoura, morreu sem ter onde reclinar a cabeça e foi cuspido e pisoteado pelos sacerdotes de sua alçada. Não quero mais ser como eles. Cansei de ser judeu.