TEODICEIA - A ambivalente coexistência entre o bem e o mal

O bom e velho deus de barba branca, cajado na mão e ares de passividade, é a caricatura mais popular do Deus judaico-cristão entre as literaturas infantis das escolas dominicais. E é justamente a partir desta imagem distorcida que as pessoas se confundem ao confirmar o senso comum de que Deus é amor, sem, contudo, ser um Deus que aplica a justiça, que proporciona o reconhecimento de sua glória e que corrige aqueles a quem ama. Assim sendo, faz-se necessária uma elucidação a respeito deste equívoco contaminante, o qual não se construiu por meio de considerações bíblicas.

A TEODICEIA, enquanto ramificação acadêmica da teologia, designa o fato de que um aparente contrassenso existe no universo, ou seja, de que é estranho que uma divindade verdadeiramente do bem possa permitir o mal e conviver com ele. Sinto em dizer para os teóricos desta matéria que não há incoerência nenhuma, mas somente uma discrepância de nomenclatura. Deus não deu corda no planeta Terra e o deixou a mercê de uma possível autodestruição. Ele intervém o tempo todo no cosmos. A esta intervenção, frequentemente, damos o nome de "mal", enquanto Ele a nomeou de "justiça", "reconhecimento" e "correção".

Mesmo assim, para nossa rastaquera compreensão, Deus afirmou ser o executor desta maldade (Is 45:7; Lm 3:38). Porém, Deus não é passivo, mas sim pacífico. Há uma membrana tênue que distingue os dois adjetivos. Enquanto o primeiro refere-se à omissão, à frouxidão e à displicência, o segundo tem a ver com o objetivo de manter a paz, embora tal desejo não elimine a promoção do julgamento e da penalidade para aqueles que perturbarem a ordem vigente. Neste sentido, o pecado tanto individual como coletivo, são distúrbios diante dos quais Deus não se permiti ficar indiferente.


Isto mesmo! A maioria dos males que ocorrem às nossas vistas são frutos da justiça divina para com o pecado dos homens. E não importa se são direta ou indiretamente provocados por Deus, ou se Ele os permitiu ou os decretou, pois "O que um Deus onipotente prevê e permite, ele quer e ordena." (Terry Johnson). Basta-nos reconhecer que estes males se revelam basicamente em três formas distintas, a saber: os acidentes (naturais ou de imprudência humana), as doenças (físicas ou mentais) e a violência. Este tripé é o que protagoniza, vez ou outra e em menor ou maior grau, o sofrimento da humanidade.

Rotulamos de mal o tsunami da Ásia, o terremoto do Haiti, furacões nos EUA e enchentes no Brasil. Tais manifestações da natureza, via de regra, fazem multidões de vítimas. Entretanto, "Acaso, pode alguém entender o estender-se das nuvens e os trovões do pavilhão de Deus? Eis que estende sobre elas o seu relâmpago e encobre as profundezas do mar. Pois por estas coisas julga os povos e lhes dá mantimento em abundância. Enche as mãos de relâmpagos e os dardeja contra o adversário. O fragor da tempestade dá notícias a respeito dele, dele que é zeloso na sua ira contra a injustiça." (Jó 36:29-33).

E ainda: "Do SENHOR dos Exércitos vem o castigo com trovões, com terremotos, grande estrondo, tufão de vento, tempestade e chamas devoradoras." (Is 29:6). Perceba que, se tais catástrofes são obras que promovem a justiça de Deus, isto é bom e louvável. Por conseguinte, o que poderíamos dizer diante do cego de nascença (Jo 9:1-3) ou do falecido Lázaro (Jo 11:1-4), senão que as duas condições eram terrivelmente tristes e más? Contudo, leia no último versículo dos próprios textos supracitados o porquê comum que ambos tiveram para sofrer daquele modo. Era para que todos soubessem que Jesus era o messias e que vinha da parte de Deus.

Exatamente! A glória de Deus é a outra centelha e motivo que produz sofrimentos transitórios, a fim de que, depois de finalizados estes sofrimentos, estes produzam reconhecimento. Foi o que aconteceu nos casos acima e o que provavelmente ocorreu com os egípcios depois das dez pragas e do episódio do mar Vermelho: "Endurecerei o coração de faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército; e saberão os egípcios que eu sou o SENHOR. Eles assim o fizeram." (Ex 14:4). E assim também é com nossas angústias e aflições. Elas nos fazem reconhecer quem somos e quem Ele é. Leia Romanos 5:1-4 e 2 Coríntios 4:7-11.

E a terceira causa mais popular das dores resume-se na correção paterna. "Porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?" (Hb 12:6,7). Não se enquadram nesta espécie de sofrimento aqueles a quem Deus não tem por filhos. Por isto, grande alegria esta correção deve produzir em nós, posto que ela confirma a nossa filiação e, além disto, podemos ter a certeza de que depois de bater, Deus irá assoprar (Jó 5:17,18).

Por ora, o homem continua sendo responsável pelo que almeja e faz. Satanás prossegue sendo o promovedor da perversidade. Mas tudo isto - não hesite em crer - tem o seu lugar nos planos de Deus. É a eterna ambivalência que comporta no mesmo tempo-espaço a coexistência antagônica entra a soberania divina e a responsabilidade humana e maligna. Deus deseja a permanência de um "mal" transitório na humanidade, a fim de que, através desta maldade, Ele possa demonstrar o seu amor em salvar e cuidar dos homens para os quais Ele tem planos. Mas isto é conversa para um livro. Aqui estamos circunscritos.

Contudo, é mister ressaltar que Deus possui uma soberania absoluta e que, portanto, tudo o que acontece, o que não acontece e o que poderia ou não acontecer, são realidades que desaguam, de um jeito ou de outro, em sua vontade transcendente. Precisamos nos alimentar mais de conteúdo bíblico para alterarmos a nossa infantil observação dos fatos, começando a enxergar o caráter divino nos mesmos ou nos aquietando com a ignorância. Sobretudo, se um mesmo Sol pode amolecer a cera e endurecer o barro, por que um mesmo Deus não pode agir com o bem e reagir com o "mal"?

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