Por que sou protestante? - vol. 2

Ser um cristão protestante consiste, sobre todas as coisas, em identificar equívocos inegavelmente absurdos e, dialogavelmente, fixar estacas públicas de discordâncias contra estas anomalias. Quando falamos em protestar, necessariamente, pressupõe-se a existência de uma fonte anterior que, na cosmovisão de quem protesta, produziu incoerências intoleráveis. Portanto, neste caso, o movimento protestante ao qual nos referimos, milita a favor de um conjunto de mudanças na idiossincrasia teológica da instituição cristã denominada Igreja Católica Apostólica Romana. Embora este movimento de inconformidade com os postulados católicos tenha o seu nascimento oficial no ano de 1517, ficando, a partir daí, conhecido como Reforma Protestante, já havia propostas semelhantes de reformulação que datam de períodos bem anteriores ao século XVI. Exemplos? Pedro Valdo, no século XII, rompeu definitivamente com a Igreja Católica, e passou a ensinar que todo fiel era depositário do Espírito Santo, e que cada um podia interpretar livremente as Escrituras, sem a necessidade desta igreja. Na mesma época, Pedro de Bruys, que era um padre instruído e bom orador, começou a ensinar contra o batismo infantil e que era preciso rebatizar os adultos; que só houve uma vez a transubstanciação do pão e do vinho, isto é, na Santa Ceia; que os mortos não se beneficiavam de nossas orações, esmolas e indulgências, e que as igrejas, imagens e cruzes não tinham valor salvífico. Outro caso mais antigo ainda, foi o do monge Ghothescalch, que, no século IX, dizia que Cristo não havia morrido por toda a humanidade (uma espécie medieval de Expiação Limitada calvinista). Enfim, a história está abarrotada de exemplos de indivíduos que discordaram das ideologias do catolicismo. Em síntese, a Reforma Protestante e o protestantismo contemporâneo tem o seu sustentáculo em três arrimos biblicamente consistentes e historicamente eficientes. A consciência deste tripé, de forma sistemática ou não, foi o fator que desencadeou no espírito dos reformadores o faraônico protesto que eles se dispuseram a pleitear. Assim sendo, estes três princípios resumem os motivos que, depois de me tornar cristão, levaram-me a optar coerentemente por ser um cristão protestante. Vejamos um por um:

A igreja não pode monopolizar o sagrado.

A IGREJA, enquanto conjunto não geográfico e atemporal de todos os crentes em Jesus Cristo como formulação de um corpo do qual Ele é o cabeça, pela necessidade do encontro e da comunhão perene, necessita se dividir em grupos geográfica e transitoriamente reconhecíveis. Chamamos estes grupos também de igreja. O grupo ou, melhor, a igreja, seja ela qual for ou qual nome tenha, em hipótese alguma, pode asseverar que o sagrado, isto é, a relação com Deus e o seu Reino, é de exclusivo e privado pertencimento do seu patrimônio. Isto é sectarismo, ou seja, é comportamento e opinião de seitas restauracionistas. A Igreja Católica, no Concílio Vaticano II, ratificou um axioma religioso que esteve presente em sua história desde sua concepção nas entranhas do imperador Constantino: "extra Ecclesiam nulla salus", que significa “fora da Igreja [Católica] não há salvação”. Isto tudo me faz lembrar um comentário atribuído a Cipriano: "Ninguém pode ter a Deus por pai, se não tem a Igreja [Católica] por mãe". A história, entretanto, demonstra claramente que, de fato, Deus tem muitos a quem nenhuma igreja tem, assim como as igrejas têm muitos a quem Deus não tem.

A igreja não pode desconsiderar a divergência.

É um macro-princípio da democracia uma afirmação popularmente atribuída a Voltaire, embora não seja localizada em nenhum de seus escritos: "Eu posso não concordar com nada do que você diz, mas lutarei até a morte a fim de que você tenha o direito de dizer". As igrejas cristãs devem se ancorar no mesmo fundamento, ou seja, a liberdade de expressão é o direito fio condutor que rege qualquer progresso de interpretação da realidade. Como as doutrinas, liturgias e práticas teológicas que as igrejas assumem como corretas são produtos da interpretação imperfeita da Bíblia por parte do homem, então, deve-se considerar qualquer leitura discrepante do texto bíblico como plausível de avaliação. O que a Igreja Católica fez durante toda a sua existência, foi oficializar os seus posicionamentos eclesiásticos e teológicos como inerrantes e inexoráveis, desconsiderando, censurando e, não poucas vezes, punindo opiniões divergentes. Veja o que teólogo católico Prof. Felipe Aquino escreveu em seu livro "Para Entender a Inquisição": "Nunca um papa revogou uma verdade de fé ensinada por um anterior, e nunca um dos 21 Concílios universais que a Igreja realizou, cancelou um ensinamento doutrinário de outro realizado antes. O Espírito Santo não se contradiz, e não deixa a Igreja errar no essencial da fé. A história confirma isso." (pag. 16). Será mesmo que a história confirma este suposto fato ou demonstra o inverso dele? O Papa Eugênio IV condenou Joana d’Arc a ser queimada como uma bruxa, e depois o Papa Benedito XV decretou que essa mesma mulher fosse canonizada (1920). No mesmo livro supracitado, há o relato de que "quando em 1231, o Papa Gregório IX oficializou o tribunal do Santo Ofício, proibiu o uso da tortura, como era tradição na Igreja. Mas, 20 a 30 anos mais tarde, o Papa Inocêncio IV julgou legítima a sua aplicação." (pag. 147). Onde está a infalibilidade papal nestas decisões? Se nem a própria Igreja que se considera inerrante e absoluta, desconsiderando, para tanto, pensamentos diferentes de suas crenças, consegue entrar em consenso dentro de si mesma, qual será a sua credibilidade opinativa?

A igreja não pode legislar sobre si mesma.

É fato que a igreja, enquanto manifestação visível da IGREJA-CORPO, necessita, inevitavelmente, da condução Daquele que se autoproclama como seu CABEÇA, seu órgão pensante e decisório, ou seja, o Senhor Jesus Cristo. Esta condução, embora possa se apresentar historicamente por meio de avivamentos, reformas, expansões, dentre outros eventos visivelmente espirituais, não pode ser dirigida através de invencionices da imaginação humana, que destoem do padrão bíblico de doutrinas, organização eclesiástica, liturgia do culto, práticas de proselitismo etc. Não cabe à igreja a liberdade criativa sobre sua própria essência, propósito e comportamento. Todo o direcionamento já está posto e estabelecido nas Sagradas Escrituras. É óbvio, no entanto, que há certas características inéditas que poderão surgir no espaço-tempo de alguma geração, que, sem nenhuma objeção bíblica, poderão ser introjetados na rotina da igreja a título de instrumentação e funcionalidade contextual, como novas tecnologias, arquiteturas diferenciadas, demandas iminentes de outros profissionais, técnicas inovadoras de evangelização e discipulado, sensatez para com horários, lugares e formatos de reuniões, dentre uma pluralidade de outras adaptações. Tudo isto, porém, consiste em formas razoavelmente comuns de qualquer instituição se posicionar em determinadas microssociedades ou nações inteiras. Contudo, o que o catolicismo romano sempre fez foi adicionar ao escopo eclesiástico, símbolos de fé, práticas litúrgicas e dogmas integralmente não bíblicos. Podemos mencionar o terço, o sinal da cruz, a confissão com o padre, a adoração [ou veneração] aos santos, a beatificação, a canonização, a intermediação mariana, a intercessão dos santos, a existência de um representante de Jesus na Terra (o Papa), a diferença entre pecados mortais e veniais, as rezas por repetições, as procissões, a infalibilidade papal, as promessas, as penitências e uma série inumerável de outras invenções.

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