Separados na maternidade

É sabido por todos os brasileiros que no movimento evangélico pentecostal e neopentecostal, existe um pluralismo religioso que está sempre em dilatação. Em todos os domingos há novas inaugurações, desmembramentos e formações eclesiásticas. Pastores e ministros surgem em velocidade e quantidade imensurável. Em contrapartida, as igrejas históricas e protestantes não são vítimas deste fenômeno expansionista, posto que suas origens estão tecidas em um cenário conservador, qualitativo, racional e concreto. Inevitavelmente, este dualismo comportamental é pólvora para bastantes altercações ideológicas entre as denominações cristãs.

Em primeiro lugar, é fácil constatar que as diferenças institucionais entre interpretações doutrinárias, práticas de evangelismo e liturgia dos cultos, baseiam-se na leitura falha e parcial das Escrituras. Deus não se contradiz, pois é perfeitamente coerente. Ele jamais iluminaria o pensamento teológico de modo que em cada comunidade cristã houvesse uma cosmovisão divergente das outras. O que ocorre é que Ele permite tais discrepâncias para que, através delas, Ele possa se utilizar de sua graça multiforme, usando instrumentos diferentes para alcançar indivíduos diferentes. É o eterno paradigma entre soberania divina e responsabilidade humana.

Entretanto, o problema sobre o qual discorro aqui é a respeito do sectarismo de algumas igrejas em detrimento de outras. Ser sectário é posicionar-se de forma exclusivista, atribuindo ao grupo do qual se faz parte, a posse da verdade doutrinária, do chamado universal e do restrito acesso a Deus. Normalmente, a proposta de se elitizar não provém da instituição, pois, do contrário, a mesma seria uma seita. Mas são alguns de seus membros, incautos ou imaturos na fé, que escolhem olhar para as outras igrejas como fomentadoras de heresias. Estes membros justificam seus preconceitos a partir de uma suposta aversão à contaminação do evangelho e ao ecumenismo.

E este foi o mesmo equívoco apontado por Jesus na reação de seus discípulos ao visualizarem outra possível igreja surgir. “E, respondendo João, disse: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava os demônios, e lho proibimos, porque não te segue conosco. E Jesus lhe disse: Não o proibais, porque quem não é contra nós é por nós.” (Lc 9:49-50). Observe que o sentimento religioso burguês e elitista não reside apenas em nossa contemporaneidade, mas também habitava no inconsciente coletivo dos judeus. Estes foram culturalizados por esta energia segregacionista desde quando descobriram que haviam sido escolhidos por Deus.

Apesar da intenção dos discípulos aparentar sinais de cautela e zelo para com o Reino de Deus, Jesus logo identificou a essência da intolerância no coração dos mesmos, isto é, o apego exagerado ao grupo do qual se faz parte e o cerceamento do direito ao contraditório e da liberdade de expressão. Eles quiseram proibir o diferente, como se este jogasse contra o reino, anulando suas obras. Mas Jesus lhes repreendeu categoricamente, pois o método poderia ser outro, os caminhos poderiam não se cruzar, mas o conteúdo era a mesma invocação piedosa de seu nome. Foi isto que importou para o mestre. Então, o que deve importar para nós, seus aprendizes?

Devemos aprender que as denominações cristãs também exercem dons específicos, sendo bons despenseiros da “multiforme graça de Deus” (1Pe 4:10). Enquanto a Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Presbiteriana Independente são as maiores evangelizadoras de povos indígenas no Brasil, a Igreja Assembleia de Deus está presente em toda a zona rural do país. Enquanto as igrejas históricas alcançam pessoas mais intelectualizadas, os salões pentecostais de periferia atingem os menos favorecidos com a educação. Existem lugares, idiomas, culturas, povos e raças, com os quais só determinadas instituições cristãs tem capacidade para se relacionar.

Isto não é regra, mas são as estatísticas. E são elas que nos demonstram o chamado invisível de Deus para com certas igrejas locais. Quem disse que os irmãos, mesmo tendo o mesmo sangue, são iguais em personalidade? E se nós fomos feitos irmãos no sangue unificador de Cristo, não seria natural existir diferenças de toda ordem em nosso meio? No entanto, será que qualquer comunidade que afirme existir no nome de Jesus, deve ser considerada uma de nossas irmãs? Para esta última indagação, a resposta também é retórica: Não! De fato, haverá joios no meio do trigo, “lobos” tão disfarçados, que para identificá-los será preciso ter um conhecimento bíblico bastante apurado.

Para tanto, eu gostaria de grifar as palavras de Jesus sobre os falsos profetas: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus [...]” (Mt 7:21). O teólogo luterano Peter Meiderlin escreveu: “No essencial, unidade; nas diferenças, liberdade; e em ambas as coisas, o amor.” “No essencial, unidade” significa que há confissões doutrinárias tão óbvias e claras nas Escrituras, que, por assim ser, não existe liberdade de interpretação em relação às mesmas. Portanto, só através do credo institucional de uma igreja, que poderemos detectar sua condição de bastarda para com o nosso Pai. E este credo deve estar, no mínimo, exatamente de acordo com o credo apostólico:

“Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.” Esta é uma síntese histórica e simples das verdades essenciais professadas pelos primeiros cristãos.

Contudo, é importante ressaltar que o conjunto de crenças de cada instituição produzirá os frutos pelos quais ela será plenamente identificada (Mt 7:20), ou como filha da luz ou como pioneira das trevas. Sobretudo, sou presbiteriano, não porque considero a minha comunidade um espelho perfeito de Cristo, mas porque creio que ela é a que mais se aproxima de tão honroso feito. Quando nascemos de novo e somos adotados para o seio do Pai, Ele nos separa logo cedo na maternidade, escolhendo aquela que nos será mais peculiar e na qual lutaremos o bom combate. Nossa tarefa é crescer ali, mas jamais deixar de nos relacionar com nossos irmãos dos quartos ao lado.

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