Os gays, os crentes e um Jesus assexuado

Se alguém disse que o Brasil jamais entrará em guerra, está assustadoramente equivocado. E não é preciso fitar os olhos no futuro. Nosso país está em guerra armada há cerca de uma década. De um lado está o movimento pentecostal conservador, eventualizado na "Marcha Pra Jesus", idealizado pelo Pr. Silas Malafaia e afins, e sob a égide de uma suposta heteronormatividade bíblica. No outro conjunto de trincheiras, estão os homossexuais ativistas, a Parada Gay, o Dep. Federal Jean Willys e a militância pela ratificação do crime de homofobia e de uma sociedade sexualmente híbrida.

A princípio, as alegações dos manifestantes homossexuais são, ironicamente, cristofóbicas. Eles desejam desmontar o acervo moral do cristianismo católico e protestante, a fim de enfraquecer o símbolo e influência da família nuclear e monogâmica. Na verdade, qualquer estúpido é capaz de perceber a autojustificação da existência deste tipo de família, que é a mais preponderante no mundo. Sem ela, talvez estaríamos aos auspícios da extinção. Por isto, assim como a água que sai da rocha, é claríssimo o fato de que as intenções destes ativistas são pérfidas e desprovidas de qualquer busca por coerência social ou antropológica.

Por outro lado, os evangélicos pentecostais mais conservadores, ou melhor, legalistas, fundamentam-se na perspectiva teológica-bíblica para credibilizar suas alfinetadas filosóficas. No entanto, eles sabem que tais argumentos não têm fim em si mesmos, pois o Brasil não está sob a teocracia judaica do Israel veterotestamentário, mas sim sob a laica democracia ocidental. Os cristãos devem orar por sua nação, mas não podem tentar impor a ela um sistema normativo divino que faça parte de suas crenças religiosas, pois ninguém tem a obrigação de viver a mercê de um jugo legislativo com o qual não concorda.

Assistindo diariamente às batalhas sangrentas travadas em comissões temáticas, debates televisivos e entrevistas provocativas sobre esta oposição, cheguei à conclusão de que os argumentos de ambos os exércitos são de um arsenal raramente identificado pelo público comum: a erística. Erística é a arte ou técnica da disputa argumentativa no debate filosófico, empregada com o objetivo de vencer uma discussão e não necessariamente de descobrir a verdade de uma questão. E neste cenário atual de má-fé e pragmatismo político, é certo que Jesus optou por não participar de nenhum dos lados, visto que ser assexuado neste contexto é mister para tornar-se o juiz de direito.

Mas direito de quem? Dos homossexuais ou dos ativistas gays? Da família ou dos evangélicos? Observe como a parcialidade e o egoísmo tomou conta do diálogo em favor destes grupos, de modo que aqueles que eram representados por estes, tornaram-se sorrateiramente desconsideráveis. Neste sentido, não há mais causa pela qual se lutar, nem possibilidade alguma de consenso entre as partes. As defesas tornaram-se tendenciosas, os ataques afinaram seu maquiavelismo e os debatentes transformaram-se em advogados do Diabo "opinião". Sendo assim, o ideal agora é recorrer a uma razão neutra, ou seja, alguém que não esteja refém de qualquer demagogia ou sectarismo.

E é Jesus quem ocupará com maestria este posto, pois assim como a mitológica deusa Themis, ele também pode julgar com os olhos vendados. Pelo espírito do evangelho e da democracia pura, a homofobia, como sentimento ou prática, é um pecado, um crime contra a ordem pacífica. O desejo ou relação homossexual também é um pecado, um desequilíbrio volitivo da sexualidade natural, exceto em casos patológicos, como a orientação sexual egodistônica, o transtorno do relacionamento sexual e o transexualismo (CID's 10). No entanto, qualquer cidadão do mundo não teocrático, deve ter o direito de assumir sua homossexualidade sem qualquer prejuízo de sua plena cidadania.

Para tanto, os pares homossexuais devem ter acesso à união estável, pois é óbvio que a convivência voluntária deve gerar o direito ao patrimônio e à herança mútua. Da mesma forma, a família heterossexual, enquanto entidade sustentadora da raça e mantenedora dos conceitos para tal sustentação, tem o direito resguardado de educar sua prole sem a influência e o contato afetivo com quaisquer indivíduos, ideologias e práticas contrárias às suas. Isto não é preconceito. É a autoridade intrínseca que os ascendentes têm sobre a formação da personalidade de seus descendentes imediatos. 

Sobretudo, importa saber que o direito natural das gentes refere-se à pessoa humana e não à sua sexualidade ou inclinação religiosa, posto que ambas são posições de foro íntimo e não de valores universais. Contudo, é de fácil averiguação que tanto os evangélicos se vendaram para verdades tão óbvias, como também os partidários da bancada LGBT o fizeram, limitando-se a enxergar apenas o arco-íris de sua bandeira. Mas Jesus não tem nenhuma ligação com esta guerra: nem com os irreverentes e iconoclastas ativistas gays, nem mesmo com o seu próprio povo, enquanto este se mantiver réu de tantas condenações contra a dignidade sexual de seus semelhantes.

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