O catolicismo histórico, o valdemirismo brasileiro e a Síndrome de Tomé

Tomé não era um cético ou agnóstico movido pela sintonia tênue entre a descrença e a dúvida, muito menos um cínico que desejava testar a paciência ou a autoridade de Jesus. Tomé era apenas um indivíduo sinceramente enganado pela falsa importância da tangibilidade do sagrado, ou seja, da pseudorrelevância da percepção de Deus através de sentidos como tato e visão. Entretanto, por mais irônico que isto possa parecer, esta postura é idêntica àquela adotada pela Igreja Católica, que em seu histórico milenar de invenções, continuou criando estigmas eclesiásticos para que a fé na evidência de Jesus tivesse marcas apalpáveis antes mesmo que fosse questionada.

A instituição do Papa, por exemplo, representa uma destas marcas, posto que sua existência baseia-se na crença de que os fiéis necessitam ver o objeto de sua fé, Jesus, personificado em forma humana. Mas desta forma, a fé acaba perdendo o seu caráter auto-justificável, isto é, o de fazer com que o indivíduo não experimente, a partir de seus sentidos, informações que só podem ser comunicadas a ele por meio de revelação intangível e invisível. Este é o verdadeiro sentido da fé. Por isto, Tomé agiu de modo tão infeliz quando pediu ao Jesus ressurreto que lhe mostrasse suas cicatrizes para que ele pudesse crer sem hesitações. O problema é que tal atitude acabou por gerar, paradoxalmente, uma descaracterização do próprio ato de crer.

Esta é a Síndrome de Tomé. Quando os católicos erguem suas cruzes em suas catedrais e as penduram no pescoço, eles estão canalizando o sacrifício de Jesus em um símbolo que servirá de memorial visível para que eles não abandonem sua fé. Quando fabricam seus santos e os colocam em pedestais, estão dizendo que, sem tocar ou olhar para aqueles “heróis da fé”, não será possível manter a esperança e a perseverança. Quando visitam o confessionário, revelam que, sem a oitiva do “está perdoado” pelo padre, não se sentirão perdoados por Deus. Enfim, quando entendem que para tecer contatos com o mundo espiritual, são necessários intermediários apalpáveis ou observáveis, eles estão totalmente tomados por esta síndrome.

E isto se estende à água benta, às visitas aos lugares sacros, aos terços, às procissões e por aí vai. No entanto, não era de se esperar que uma vertente do neopentecostalismo, o valdemirismo brasileiro, também fosse contaminado por esta patologia, não é verdade? Sim! Porém, esta enfermidade também o alcançou com todo o vigor. Através de lenços da bênção, copos d’água, sal grosso, meias e até roupas íntimas, a igreja Mundial do Poder de Deus está justificando o Deus invisível. Talvez pelo cunho maldoso de se interpretar Atos 19:11,12 com um viés de texto padroeiro de qualquer materialização da fé: E Deus pelas mãos de Paulo fazia maravilhas extraordinárias. De sorte que até os lenços e aventais se levavam do seu corpo aos enfermos, e as enfermidades fugiam deles, e os espíritos malignos saíam.”

A diferença é que, não a cura, mas o dom de cura era uma credencial exclusivamente apostólica, e se os apóstolos – homens escolhidos a dedo por Jesus – não existem mais, visto que foram chamados unicamente para edificar o fundamento da igreja (Ef 2:20), então, ninguém tem anuência alguma para usar este texto como pretexto para suas atrocidades religiosas. Mesmo assim, basta ligar a TV e sintonizar no rei do gado neopentecostal Valdemiro Santiago, que se verá com extrema facilidade o absurdo de criar e comercializar meios para se transmitir a graça aos fiéis. E ele faz isto de forma tão descarada e hedionda, que alguns, justificadamente, chegam a desejar que ele fizesse isto em oculto, a fim de não se tornar uma pedra de tropeço tão pesada como se tornou.

É como dizia um de meus antigos poemas sobre o Valdemiro: “Em nome de Deus, mais um fala. Em nome da paz, a Igreja se cala. Em nome do Estado, é Democracia. Em nome da Bíblia, é profecia. Em nome do Diabo, mais um instrumento. Em nome dos fiéis, um monumento. Em nome dos crentes, não se pode julgar. Em nome de Moisés, se deve matar. Em nome da Receita, mais um ladrão. Em nome dos enganados, a salvação. Em nome da Teologia, um falso profeta. Em nome do dízimo, mais uma meta. Em meu nome, o começo do fim. Em nome de Jesus, ‘apartai-vos de mim’”.

Contudo, apesar de os católicos estarem anos-luz a frente dos neopentecostais no que tange a esta matéria, estes não tem o que criticar aqueles quando o assunto é “fé”. Ambos são idólatras de suas criações, de seus canais de bênçãos e de seus devaneios que só geram morte e distância para com a verdadeira e sublime mensagem do evangelho. Assim como parte do catolicismo brasileiro se rendeu ao brilho das emoções espirituais, gerando um cisma entre igreja ortodoxa e comunidades de renovação carismática, o neopentecostalismo, depois de ter chutado a santa pela IURD, e agora sendo melhor representado pelo valdemirismo, está chutando o balde ao permitir que, semelhantemente aos católicos, a Síndrome de Tomé encontre mais hospedeiros em seus arraiais.

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