Definitivamente,
não é possível. Não é razoável que, em vinte séculos, o dízimo tenha se mantido
no portfólio de aceitação do cristianismo. A meu ver, não há que se discutir se
a justificativa para esta anomalia se sustenta na desinteligência e
imbecilidade dos cristãos ou em sua tortuosa má-fé, pois é notório que há
equívocos e malícias neste processo. Mesmo assim, é preferível que eu simule
ser ingênuo a este respeito, para que, mais uma vez na história, alguém faça
papel de idiota ao expor algo tão explícito.
O dízimo surgiu
entre o povo hebreu não como uma ordenança aleatória ou sem um sentido de ser os
“dez por cento”. Havia uma tribo em Israel que possuía a responsabilidade ímpar
de zelar pela sacralidade dos objetos e organizar as cerimônias do tabernáculo
e, posteriormente, do templo. Esta casta israelita era denominada de Tribo dos
levitas (Dt 10:6-11), e a ela, exclusivamente, não era permitido o trabalho
secular (Nm 18:21-32). A partir daí, surgiu a necessidade de ser sustentada por
terceiros, o que, necessariamente, gerou o dever da contribuição.
Entretanto, o
que parece foi que Deus percebeu que os indivíduos das outras tribos, a quem
fora dada a tarefa de amparar os levitas (Hb 7:5), estavam com o coração
enrijecido e cauterizado a ponto de não desejarem compartilhar a sua produção
com os seus próprios irmãos. Então, Deus achou por bem transformar algo que era
uma obrigação tácita em uma lei cerimonial, para que não houvesse mais a realidade
da displicência e da omissão. Para este fim foi que Ele estabeleceu os tão
polêmicos “10%”.
Cada judeu
deveria trazer periodicamente a décima parte do que produzia à Tribo de Levi.
Isto mesmo! Você leu corretamente. O dízimo nunca foi entregue em dinheiro,
isto é, em moeda corrente. Ele era especificamente frações do produto de
agricultura, pecuária, dentre outras atividades do Velho Testamento (Dt
14:22,23; Lv 27:30-32). Esta era a realidade veterotestamentária no que
concerne à manutenção da Casa de Deus. O que passar disto é engano ou, na pior
das hipóteses, maquiavelice para com a fé dos incautos.
Por conseguinte,
o Novo Testamento chegou. E agora? Continuarão existindo tribos, e nelas a de
Levi? As leis cerimoniais prosseguirão em vigor? O templo como moradia divina
continuará cumprindo o seu propósito? Para as três últimas indagações, a
resposta é negativa. Qualquer teologueto sabe que as 613 leis de Moisés se
subdividiam em três categorias (Dt 6:1): a civil, que comportava a legislação
social do Estado teocrático de Israel; a cerimonial, que era responsável por
dar ordem aos cultos e sacrifícios prestados pelo povo; e a ética, que estabelecia
dez mandamentos para a relação entre Deus e os homens, e entre os homens e os
seus semelhantes.
Não há dúvida
alguma que, depois de Jesus ter aberto definitivamente a porta dos céus aos
gentios, de ter se sacrificado eficazmente para os que creem e de, através
disto, fazer com que o Espírito Santo fizesse morada em nós, a lei civil e
cerimonial, restritas ao contexto judaico do Velho Testamento, caíram em
obsolescência e esclerosamento. Portanto, para todo o planeta, berro que não há
mais templos, nem sacrifícios, nem tribos, nem dias santos, nem festas e nem
dízimos.
Bem, mesmo
diante desta elucidação, os teóricos da contemporaneidade do dízimo no Novo
Testamento querem astutamente desligar o seu sentido do caráter provisório da
lei mosaica, almejando, com isto, argumentar que o dízimo é anterior a esta lei,
pois Abrão o pagou a Melquisedeque (Gn 14:18-21) e Jacó o devolveu a Deus (Gn
28:20-22). É necessário, para tanto, bastante paciência quando se ouve uma
atrocidade destas.
Primeiro, em
nenhum dos dois casos, Deus ou Melquisedeque pediram o dízimo, pois tal decisão
foi fruto da espontaneidade de ambos os ofertantes. Do contrário, se fosse
regra que o bom exemplo deve se tornar lei, deveríamos depositar tudo o que
possuímos no gazofilácio da igreja, a fim de seguirmos o modelo da viúva pobre
(Mc 12:41-44). Segundo, não foi Abrão que dizimou, mas Levi (dentro da lei) que
pagou o dízimo na pessoa de Abrão (Hb 7:9,10), e, semelhantemente, não foi Jacó
quem cumpriu o seu próprio voto de dizimar, mas os seus descendentes, que dentro
da lei, entraram e possuíram a terra prometida (Lv 27:30-34; Dt 26:1-15).
Portanto, o
dízimo é restrito e estritamente condicionado à esfera legislativa de Israel. Contudo,
você ainda poderia me perguntar: o verso de Mateus 23:23 não é uma declaração
de Jesus que indica a perenidade do dízimo na nova dispensação? É certíssimo
que não! Jesus veio cumprir a lei em dois sentidos: executá-la pela última vez
e encerrá-la na cruz. Quando ele falava com os judeus, ele ainda estava
exercendo-a, e por isto dizia: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles [escribas
e fariseus] vos disserem...” (Mt 23:3). E mais: Mt 3:13-15; 5:17-20; 8:1-4,
dentre outros.
Jesus era um
judeu extremamente praticante. Entretanto, sua função era dar uma abordagem mais
ampla e espiritual para a lei. Por isto, ele foi enfático ao ordenar AOS
ESCRIBAS E FARISEUS: “...devíeis, porém, fazer estas coisas [considerar a
justiça, a misericórdia e a fé], sem omitir aquelas [o dízimo dos cereais]. Agora,
você consegue perceber a magnitude da incoerência dos que discursam em favor da
perpetuidade da lei do dízimo na esfera neotestamentária? É possível enxergar, neste
momento, como a verdade está acessível em toda a Bíblia?
Por que Paulo, em
nenhuma de suas cartas e mesmo perante todas as adversidades econômicas pelas
quais passou, jamais requereu que as igrejas cumprissem a obrigação de dizimar?
É óbvio que é porque ele havia compreendido que tal mandamento havia caído em
caducidade junto com todos os outros de natureza cerimonial. E é por isto que
ele apenas pedia ofertas: “Cada um contribua
segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque
Deus ama a quem dá com alegria.” (2Co 9:7).
A lei passou a
ser o fato de “não se ter lei”, mas sim liberdade de contribuir, no tempo que
quiser, o tanto que quiser. Por isto, não há mais o “roubar de Deus” (Ml 3:8,9),
mas “aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura,
com abundância também ceifará” (2Co 9:6). O espírito deste versículo está em mesma sintonia com o de Provérbios 3:9-10: "Honra ao SENHOR com os teus bens e com as primícias de toda a tua renda; e se encherão fartamente os teus celeiros, e transbordarão de vinho os teus lagares." Neste sentido, o texto de Malaquias
3:10, que se tornou o padroeiro da insolente petição de dinheiro na igreja,
nada mais é que uma advertência divina aos “filhos de Jacó” (3:6), isto é, à nação
de Israel (3:9), que estava sob a lei, mas sem devolver os dízimos.
Como disse o Pr. Ed René: “A consagração da parte era apenas o caminho pedagógico para a consagração da totalidade” e “Aquele que aprendeu com Jesus que ‘mais bem-aventurada coisa é dar do que receber’ (Lc 6:38; At 20.35), sabe que a possibilidade de repartir é um privilégio (2Co 8.1).” A igreja deve subsistir a partir desta perspectiva, ou seja, da conscientização de seus membros que ser igreja num mundo capitalista sai caro, e que os custos deste “caro” não são pagos com os tesouros do céu, mas com o fruto do trabalho de todos os membros.
Como disse o Pr. Ed René: “A consagração da parte era apenas o caminho pedagógico para a consagração da totalidade” e “Aquele que aprendeu com Jesus que ‘mais bem-aventurada coisa é dar do que receber’ (Lc 6:38; At 20.35), sabe que a possibilidade de repartir é um privilégio (2Co 8.1).” A igreja deve subsistir a partir desta perspectiva, ou seja, da conscientização de seus membros que ser igreja num mundo capitalista sai caro, e que os custos deste “caro” não são pagos com os tesouros do céu, mas com o fruto do trabalho de todos os membros.
Isto é maturidade.
Se você comunga sua fé com verdadeiros irmãos e
se alimenta do refinado pão do Evangelho em determinada comunidade, e lá
descansa no conforto de um ambiente cristalizado por relações cristãs e fraternas,
o conveniente é que haja, de sua parte, ofertas periódicas para a manutenção
deste lugar e das atividades ali realizadas. Este é o mínimo, mas não é o
dízimo. O dízimo é bíblico, mas não é neotestamentário. Por fim, conheça esta
liberdade sem, contudo, ceder à libertinagem da negligência para com as
necessidades que lhe serão apresentadas.
Talvez a raiz da ideia de contribuir como obrigação tenha surgido e se fundamentado no desejo daqueles que aproveitavam-se da fé de cristãos devotos para enriquecerem. O texto enfatizou uma crítica severa não só para os que usam da Palavra para se apoderar dos esforços dos que da mesma não tem plena ciência mas também aos que fazem da casa de Deus, da sua promessa, uma bolsa de valores.
ResponderExcluirPedro Henrique Santos, a "raiz da ideia de contribuir" baseia-se na necessidade do corpo, ao passo que a "raiz da ideia de contribuir COMO OBRIGAÇÃO" foi que se preservou no cristianismo ora como equívoco ora como malícia da alcateias mundo afora.
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